Pesquisa da UFJF investiga saúde de uma população de anfíbios em Barra Longa

Júlia Rodrigues - 18-07-2024
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Pesquisadores encontraram indícios de que pererecas-cabrinha encontradas em uma fazenda de Barra Longa, atingida pelo rompimento da barragem de Fundão, apresentam intoxicação por metais pesados 

De acordo com a lista mais recente publicada pela Sociedade Brasileira de Herpetologia (SBH), só no Brasil são conhecidas 1188 espécies de anfíbios – marca que coloca o país no topo do ranking, tendo o maior número dessas espécies no mundo. Sapos, rãs, pererecas, salamandras e cobras-cegas integram esse grupo que, em geral, se destaca como importante indicador ecológico e protagonizou um estudo que contribui para compreender o impacto de um dos maiores desastres ambientais do país - o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, em 2015. 

Juliana Correa Reis, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Conservação da Natureza da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), explica que os anfíbios são bastante suscetíveis a sofrerem com o processo de bioacumulação – quando absorvem e acumulam substâncias contaminantes – desde a fase embrionária. 

Por terem pele permeável, os anfíbios podem absorver poluentes em todas as fases da vida. Os ovos apresentam uma camada gelatinosa permeável, diferente de ovos que apresentam cascas rígidas e protetoras, como o das aves, e, por isso, absorvem com facilidade os poluentes. Já na fase larval, quando os sapos, rãs ou pererecas são chamados de girinos, a contaminação ocorre pela respiração branquial e pela alimentação – quando geralmente raspam o fundo dos lagos e poças, buscando alimento. Na idade adulta, os indivíduos se alimentam de insetos que podem carregar, na cadeia alimentar, uma quantidade de metais pesados e contaminantes.  

Macho da espécie Perereca-cabrinha vocalizando Fonte: Lecean/UFJF

A pesquisadora investigou, no âmbito da sua pesquisa de mestrado, os impactos do rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, sobre uma população de pererecas. Ocorrido em 2015, despejou 55 milhões de metros cúbicos de lama e detritos que invadiram e destruíram distritos inteiros, causando imensuráveis perdas humanas. Os rejeitos poluíram cursos d’água com metais pesados desde a bacia do rio Doce, até a sua foz, no oceano Atlântico, na costa do Espírito Santo. 

Junto à equipe do Laboratório de Ecologia Evolutiva de Anfíbios da UFJF (Lecean), a pesquisadora analisou indivíduos adultos da espécie Boana albopunctata, vulgarmente conhecida como Perereca-cabrinha – nome que recebe pelo seu coaxar característico, semelhante ao som de uma cabra. Os resultados deste estudo foram publicados na Hydrobiologia, revista internacional de ciências aquáticas, em março deste ano. 

SINAIS DE INTOXICAÇÃO  

Os animais foram coletados em três anos distintos, um antes do acidente (2014), e dois após o acidente (2018 e 2022), nas imediações da Fazenda Apaga Fogo, em Barra Longa, cidade atingida pela lama. Os animais de 2014 e 2018 estavam tombados na Coleção de Anfíbios da UFJF (CAUFJF), provenientes de estudos anteriores do laboratório, e os animais de 2022 foram coletados na mesma fazenda pelos pesquisadores do Lecean em colaboração com os moradores da fazenda. 

Os pesquisadores observaram significativo aumento do fígado dos animais coletados em 2022 em relação aos outros anos, demonstrando forte indício de contaminação. Reis explica que fígado é o órgão responsável por processar os elementos tóxicos. Diante da exposição prolongada ao longo dos anos, o fígado bioacumula esses elementos em seu próprio tecido que pode hipertrofiar, ou seja, aumentar de volume. 

A pesquisadora explica que serão necessários estudos que aprofundem na investigação da gravidade dessa condição, que pode comprometer o funcionamento do fígado dos animais a longo prazo e causar possíveis declínios dessa população.   

ADAPTAÇÃO AMBIENTAL 

Neste estudo, os pesquisadores também avaliaram a assimetria flutuante, uma variável utilizada para detectar quanto os indivíduos apresentam simetria entre o lado direito e esquerdo do corpo. “Geralmente, os indivíduos mais assimétricos estão sob estresse ambiental maior”, explica o coordenador do Lecean e orientador da pesquisa, Renato Christensen Nali. “Para isso, medimos várias características e vemos se são simétricas”, explica. 

Diferente do que se imaginava, observou-se que os animais de 2022, ou seja, sete anos após o acidente, apresentaram tímpanos mais simétricos em comparação aos de 2014 e 2018. Isso indica que os indivíduos que nasciam com essa característica estavam melhor adaptados ao ambiente e transmitiram a característica aos seus sucessores.  

“A imensa maioria dos anuros depende da comunicação acústica para a reprodução. Existem evidências de que fêmeas com tímpanos assimétricos têm mais dificuldade de localizar os machos. Então, inferimos que, diante desse cenário desafiador, as fêmeas e machos que tinham mais facilidade de se encontrar foram os que sobreviveram. Seria interessante conduzir mais estudos neste sentido”, explica Nali.  

PERSPECTIVAS 

A partir de agora, os estudos ampliam as variáveis a serem observadas. Com bolsa de doutorado FAPEMIG, Reis desenvolverá novas pesquisas, comparando indivíduos de áreas mais afetadas e em áreas menos afetadas pela lama, com foco maior nos girinos. As análises deverão incluir alterações no sistema cardíaco e neurológico dos animais e a ocorrência de malformações.  

“A pesquisa será uma colaboração entre a UFJF, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp) – campus de Jaboticabal, e espera-se contribuir ainda mais para a compreensão da magnitude dos impactos desse desastre ambiental”, conta, Nali.