Físico e pesquisador mineiro, Pimenta foi reconhecido por seus trabalhos nos campos da nanociência e nanomateriais
Novamente, um mineiro recebeu um dos prêmios científicos mais importantes do país. Marcos Assunção Pimenta foi reconhecido na categoria Ciência do Prêmio CBMM de Ciência e Tecnologia. A premiação reconhece seu trabalho sobre nanociência e nanomateriais. O anúncio dos vencedores destaca a importância de seu trabalho, que nos ajuda a entender como funcionam os elementos que tornam essas tecnologias possíveis, criando dispositivos e sistemas cada vez menores por meio do uso do grafeno e dos nanotubos de carbono.
Pimenta é graduado e mestre em Física pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com doutorado pela Université d’Orléans, na França, e pós-doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos EUA. Na UFMG, criou o Laboratório Raman, dedicado a pesquisas sobre materiais que estão transformando a eletrônica e a computação. Recentemente, também se tornou Professor Emérito da UFMG e, quando não está se dedicando às pesquisas com materiais bidimensionais, se dedica à música. Violonista, mantém uma agenda de apresentações semanais, tocando Chorinho.
Foto: Carol Prado / UFMG
O que esse prêmio simboliza no atual momento de sua vida?
Ele simboliza o reconhecimento do investimento que fiz durante minha carreira, de todo o trabalho que desenvolvi em termos de pesquisa, orientação de estudantes, formação de recursos humanos, coordenação de projetos. É um sinal de que tudo isso teve um impacto, que valeu a pena ser feito. Isso me deixa muito realizado.
Fazendo um retrospecto, o que foi fundamental para trilhar essa trajetória?
Várias coisas foram fundamentais. Gostaria de deixar registrado que, em 1990, logo que fui contratado pela UFMG, tive o apoio da FAPEMIG para comprar um equipamento, que na época era bastante caro. Eu era um jovem pesquisador, ainda não tinha um bom currículo, mas o valor concedido, corrigindo a inflação do dólar, daria hoje em torno de R$1,5 milhão. Esse investimento foi bem importante porque nos permitiu comprar um equipamento com o qual trabalhei durante todos esses anos, que é uma técnica óptica conhecida como espectroscopia Raman – que consiste em jogar um feixe de laser numa amostra e analisar a luz reemitida pela amostra. Isso nos permitiu fazer uma pesquisa competitiva naquela época, com um dos melhores espectrômetros que existia no mundo. Outra coisa fundamental foi ter me tornado professor da UFMG, especialmente do Departamento de Física, que já contava com uma boa infraestrutura para se fazer pesquisa experimental.
Outro marco na minha carreira foi quando iniciei meus estudos sobre nanomateriais de carbono, logo depois de ter passado um ano sabático nos Estado Unidos, trabalhando com a professora Mildred Dresselhaus, conhecida como a Rainha do Carbono. Esse contato me permitiu trazer para a UFMG esta linha de pesquisa, inicialmente nanotubos de carbono e depois o grafeno, e fazermos uma série de trabalhos originais que tiveram impacto na área das ciências dos materiais de carbono. Também tive alunos de pós-graduação excelentes, e grande parte dos meus trabalhos foram originados a partir de suas teses e dissertações. Alguns deles eu orientei desde a iniciação científica até o doutorado. Por isso eu reconheço e compartilho com eles o mérito desse prêmio.
Da mesma forma, tive ótimos professores e me tornei físico por causa deles. No Ensino Médio, tive o Frei Feliciano como professor de Física no Colégio Santo Antônio, em Belo Horizonte. A sala de aula era um laboratório muito bem equipado, de forma que ele ensinava física demonstrando os fenômenos em suas montagens experimentais. Na UFMG, fui aluno do professor Ramayana Gazzinelli, que foi o primeiro doutor em Física de Minas Gerais, pioneiro da pesquisa e pós-graduação em Física no Estado, e um dos responsáveis por eu ter deixado de estudar Engenharia para seguir na Física. Outros professores importantes na minha formação foram o Alaor Chaves, que me iniciou na Física da matéria condensada, e o Geraldo Alexandre Barbosa, que me acolheu em seu laboratório após meu doutorado e com quem aprendi os aspectos experimentais da espectroscopia Raman.
O que Minas Gerais ainda precisa fazer para se destacar na área de pesquisa de nanomateriais?
Em primeiro lugar, precisamos de mais investimentos. Em particular, penso que o Estado de Minas Gerais precisa investir de forma mais robusta no Centro de Tecnologia em Nanomaterais e Grafeno (CTNano) da UFMG, que é uma referência nessas tecnologias no Brasil. Precisamos fixar nossos talentos no Estado, dando a eles boas condições de trabalho. De forma geral, é preciso haver estabilidade e continuidade nos diversos programas e investimentos relacionados à ciência e tecnologia. A aplicação das verbas do Estado destinadas à ciência, tecnologia e inovação deve ser feita de acordo com os critérios estabelecidos pela própria comunidade científica, a exemplo do que é feito em São Paulo, estado que tem mais maturidade nesse aspecto. Precisamos aprender mais com eles.
A sala de aula sempre foi um espaço nobre para o senhor. Como engajar as gerações atuais e as futuras com a ciência e a pesquisa?
Precisamos criar oportunidades para que os jovens possam se dedicar ao trabalho em ciência e pesquisa. Quando o aluno começa um curso de pós-graduação, ele precisa ter uma perspectiva de trabalho para quando terminar, precisa saber onde vai chegar. Quando eu era estudante, eu sabia que se investisse tempo e me dedicasse, eu teria uma possibilidade de emprego no futuro. Sinto que a geração atual está sem perspectiva de futuro. Com isso, estamos perdendo pesquisadores e futuros cientistas para outras atividades logo que eles terminam a pós-graduação. Muitos jovens abrem mão do sonho de se tornar pesquisadores por falta de possibilidades. Então, precisamos aumentar o número e o valor das bolsas para tentar fixar esses jovens no Estado e no País, aumentar o número de vagas nas instituições de ciência e tecnologia, e dar condições de trabalho para que as futuras gerações de cientistas possam desenvolver suas pesquisas.
Que esforços o Brasil ainda precisa fazer para integrar a produção do conhecimento nas universidades aos avanços industriais?
Penso que devemos fazer o que o CT Nano da UFMG já vem fazendo. O CT Nano atua na ponte entre o que é feito na academia e a demanda do setor industrial. Muitas vezes, é difícil a conversa da academia com o setor industrial. O pesquisador na academia quer demonstrar que determinada tecnologia funciona. Já para o setor industrial, apenas isso não basta. A tecnologia tem que funcionar, tem que ser viável comercialmente, precisa ter capacidade de ser produzida em larga escala e deve ser competitiva em relação a tecnologias semelhantes. O modelo de centros de tecnologia é a chave para se fazer a transferência de tecnologia da academia para o setor industrial. Eles trabalham em função de demandas específicas das empresas. O resultado é a geração de uma tecnologia que pode ser transferida para uma empresa ou dar origem a uma startup dentro do próprio centro de tecnologia. Esse modelo é muito importante, pois ajuda a introduzir mais fortemente a inovação dentro da academia e das indústrias.
Que campos ainda precisam ser desbravados quando o assunto envolve a espectroscopia Raman?
Sempre tem muita coisa a ser feita. A espectroscopia Raman é uma técnica analítica muito poderosa para fornecer informações sobre os materiais de forma rápida e não destrutiva. Uma vez que surgem novos materiais, podemos estudá-los com essa espectroscopia. Por ser uma técnica muito ampla, tem aplicações em várias áreas do conhecimento, como em física, química, biologia, engenharias, farmácia, ciências biomédicas, forenses, artes, entre outras. No caso específico dos meus trabalhos, eu vinha trabalhando com os nanotubos de carbono, depois passei para o grafeno. Agora estou estudando outros tipos de materiais que são bidimensionais.
A que projetos o senhor está se dedicando atualmente?
O grafeno foi o primeiro material bidimensional a ser produzido. Depois, percebeu-se que existem vários outros materiais que podem ser bidimensionais (2D) também. Alguns deles são semicondutores. Tenho estudado nos últimos anos outros materiais semicondutores que são da família do dissulfeto de molibdênio (MoS2). Eles podem ser usados na indústria da eletrônica digital, que requer materiais semicondutores, e para geração de energia. Nosso intuito neste estudo é entender através da espectroscopia Raman como os elétrons desses semicondutores 2D são afetados pelas vibrações dos átomos, efeito este que influencia a eficiência de um dispositivo eletrônico feito desse material.