Qual a ligação do sistema nervoso com o câncer?

Tuany Alves - 03-08-2020
4705

Foto: Acervo do pesquisador

O câncer ainda representa um problema de saúde pública para o brasileiro. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), o país deverá registrar 625 mil novos casos por ano de 2020 a 2022. Se descontarmos os casos de câncer de pele não melanoma, serão 450 mil novos registros da doença a cada ano. Dessa forma, descobrir novas maneiras de diagnosticá-lo e tratá-lo são fundamentais para auxiliar os pacientes. 

Pensando nisso, um grupo de pesquisadores do departamento de Patologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, apoiado pela FAPEMIG estuda, há cerca de três anos, como o sistema nervoso se comporta frente ao desenvolvimento de tumores. O grupo também busca verificar como a presença, ou ausência, desses nervos pode afetar o câncer.

De acordo com o biomédico e coordenador da pesquisa, Alexander Birbrair, o estudo investiga tumores bastante incidentes na população brasileira, como melanoma, próstata e mama. “Buscamos compreender uma pergunta fundamental: será que o sistema nervoso controla o câncer?”. 

A pesquisa, publicada no Journal of Cellular and Molecular Medicine, demonstrou que os nervos sensoriais são capazes de infiltrar o microambiente formado pelo melanoma e que, uma vez dentro do tumor, os nervos controlam seu crescimento, reduzindo a formação de vasos sanguíneos. “Isso aumenta a sua morte celular e reduz sua proliferação, resultando, assim, em tumores menores”, conta o coordenador.

O pesquisador explica, ainda, que quando os nervos são deixados sem função foi observado que esse controle é perdido. O que acaba ocasionando tumores maiores e mais agressivos. “Estabelecendo um paralelo com a clínica de melanoma, vimos que alguns genes relacionados a nervos sensoriais eram muito presentes em pacientes com prognósticos mais favoráveis. O que, também, reforça a ideia de que a presença dos nervos controla o crescimento do melanoma”, destaca Birbrair.

Além da FAPEMIG os pesquisadores contam com o apoio do Instituto Serrapilheira, Capes e CNPq. “Temos também a colaboração de pesquisadores vinculados a outros departamentos do ICB e de outras instituições brasileira como a Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Além da colaboração internacional da Columbia University de Nova Iorque”, informa.

Inovação

Os tumores são formados por massas de células malignas associadas a outras células que influenciam seu crescimento. Atualmente terapias buscam usar células que já estão no microambiente formado pelo tumor como forma de combatê-lo. Segundo Birbrair, a presença e função desses nervos sensoriais no melanoma indicam a possibilidade de que, no futuro, eles possam ser usados como uma nova terapia antitumoral. “Imagine controlar um tumor, de dentro dele, de forma que ele promova a própria extinção?”.

O biomédico informa, ainda, que algumas quimioterapias atuais causam danos aos nervos. “Compreendendo o papel dos nervos sensoriais nos tumores, entenderemos melhor como esse efeito colateral pode afetar o comportamento do tumor. Estamos também estudando fatores dos nervos que pioram a sobrevida dos pacientes e o sucesso da terapia”, destaca.

Próximos Passos

Apesar de iniciais, as descobertas da pesquisa trazem contribuições que podem se tornar relevantes para o tratamento dos diversos tipos de câncer. Além disso, podem embasar o desenvolvimento de métodos e tratamentos menos invasivos de combate às células tumorais. 

Atualmente, o grupo trabalha em descrever quais mecanismos celulares e moleculares estão envolvidos no controle que os nervos sensoriais exercem no desenvolvimento do melanoma. Segundo Birbrair, o foco nessa nova fase é avaliar como a modulação dos nervos, ao contrário de uma ausência total, altera o comportamento do tumor. “Além de avaliar como células imunes, células tronco cancerígenas e a formação de metástase são alteradas quando manipulamos o sistema nervoso”, informa o coordenador do estudo.

Redução de impactos

O melanoma é altamente incidente na população brasileira e gera grandes custos ao SUS, com tratamentos, diagnósticos, cirurgias e leitos. “O paciente pode passar longos períodos em tratamento, longe da família e afastados do seu trabalho, às vezes nem conseguindo retornar a ele após o tratamento”, pontua. 

Nessa perspectiva a pesquisa visa estabelecer uma nova abordagem terapêutica, que faria o paciente ter uma melhora, significativamente, mais rápida e com menos efeitos colaterais. Permitindo, assim, a redução dos impactos gerados pela sua ausência na família e no trabalho. 

Para Alexander Birbrair esse estudo pode, ainda, abrir portas para descoberta de marcadores específicos associados ao sistema neural. “Nos levando a um novo entendimento sobre a prevenção do melanoma que, aliado aos conhecimentos já estabelecidos, poderá reduzir a incidência e a mortalidade desse tipo de tumor na nossa sociedade”, destaca.