Entrevista: Propriedade Intelectual e inovação

Teo Scalioni - 07-05-2021
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Nos últimos anos, de acordo com o índice do Centro de Política de Inovação Global (GIPC) da Câmara de  Comércio dos EUA, o Brasil tem demonstrado um avanço em medidas que estimulam o ambiente de  inovação. A avaliação, que é feita anualmente pela entidade desde 2012, analisa 53 economias em itens que vão desde questões relativas a patentes e políticas de direitos autorais à comercialização de ativos de Propriedade Intelectual (PI) e ratificação de tratados internacionais. Na edição deste ano, o Brasil teve uma pontuação total de 42,32%, ficando em terceiro lugar entre os integrantes do  BRICS, à frente da Índia e da África do Sul. Nesta entrevista, o diretor sênior de Assuntos Internacionais do Centro de Política de Inovação Global da Câmara de Comércio dos EUA, Robert Grant explica sobre o  funcionamento desse ranking e fala sobre os avanços e desafios do Brasil em relação a inovação e Propriedade Intelectual.   

Como funciona a metodologia para esse ranking global da Câmara de Comércio dos Estados Unidos sobre Inovação e Propriedade Intelectual? 
O  IP Index avalia a estrutura de Propriedade Intelectual em 53 economias em 50 indicadores exclusivos que a indústria acredita representar as economias com os sistemas de PI mais eficazes. Os indicadores criam um retrato da estrutura geral de PI de uma economia e abrangem nove categorias de proteção: patentes, direitos autorais, registro de marca, direitos de design, segredos comerciais, comercialização de ativos de PI, aplicação, eficiência sistêmica e associação e ratificação de tratados internacionais. Cada indicador pode pontuar valores entre 0 e 1, e a pontuação cumulativa do Índice varia de um mínimo de 0 a um máximo de 50. Os indicadores podem ser pontuados usando três métodos distintos: binário, numérico e misto. No relatório, há uma descrição detalhada de cada indicador e a metodologia do IP Index, nas páginas 322 e 323, se for o caso.

O Brasil teve alguns avanços nessa área melhorando a sua pontuação? Na sua opinião, por que isso aconteceu? 
Desde a quarta edição do Índice IP (2016), a pontuação do Brasil aumentou de forma constante de 34,70 para 42,32. Este progresso positivo foi graças a melhorias na transparência do país e relatórios pelas autoridades alfandegárias e à remoção de barreiras administrativas ao licenciamento e comercialização de ativos de PI, entre outras coisas. De 2019 a 2020, a pontuação do Brasil ficou estável - diminuindo ligeiramente em 0,2 pontos. No entanto, isso se deve apenas a uma mudança na taxa de falsificação física medida (e essa métrica varia de ano para ano). Ao mesmo tempo, observamos que uma série de implementações positivas pode ser um bom presságio para a pontuação futura do Brasil. Por exemplo, o governo iniciou uma consulta pública e o lançamento de uma Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual de 10 anos, com planos de ação futuros. Apoiamos essa abordagem focada na política de PI do Brasil e esperamos apoiar sua transformação contínua em uma economia voltada para a inovação.

Mesmo estando em 3° entre os BRICS, qual a  colocação do Brasil em relação ao mundo. Estamos muitos atrasados?
Na edição 2020 do Índice, observamos uma melhora nas pontuações de países como China e México. Enquanto isso, os países membros da OCDE na região, como Colômbia e Chile - embora longe de serem exemplos perfeitos - mantêm pontuações mais altas do que o Brasil (47,20 e 48,17, respectivamente). Em nossa opinião, o traço comum é um maior envolvimento com as melhores práticas globais para proteção de propriedade intelectual. No primeiro caso, os acordos comerciais com os EUA - como o Acordo EUA-México-Canadá ou o Acordo China Fase I - desempenharam um papel importante no aumento da pontuação desses países, uma vez que continham disposições de PI relativamente robustas. Neste último caso, talvez a adesão à OCDE - associada a uma maior adoção de instrumentos internacionais de propriedade intelectual - tenha desempenhado um papel crítico. Nos resultados do Brasil no índice, podemos ver uma forte correlação entre a seção rica em pontos para "Tratados Internacionais" (que equivale a 7 pontos) e sua pontuação geral. Em 2020, o Brasil pontuou apenas 1,25 nesta seção - falando sobre a necessidade de maior participação nos principais instrumentos internacionais de PI, como os Tratados da OMPI sobre Internet, a Convenção sobre Crime Cibernético e outros.

Quais as principais dificuldades e desafios Brasileiro relacionados a Propriedade Intelectual? Faltam políticas públicas?
 
Muitos fatores são importantes para um sistema de PI que funcione bem, mas o Brasil historicamente tem lutado com a administração de PI. Em última análise, as deficiências nesta área afetam sua capacidade de atrair investimento estrangeiro em indústrias inovadoras, então, vamos examinar isso em profundidade. Por muitos anos, as empresas nacionais e estrangeiras que contam com proteções de patentes tiveram que esperar mais de 10 anos para ter suas patentes aprovadas no Brasil. A razão para isso foi em grande parte devido a obstáculos burocráticos e à falta de recursos e pessoal treinado. Em última análise, o atraso - ao lado de outras barreiras de acesso ao mercado - fez com que os consumidores e empresas brasileiras não tivessem acesso aos bens e serviços mais inovadores. (Essa tendência infeliz foi confirmada em um relatório de 2019 encomendado pela Câmara dos Estados Unidos, intitulado: “O Barômetro de Acesso à Inovação e Criatividade”. Neste relatório, o escopo das quatro barreiras de acesso medidas colocou o Brasil em 12 das 20 economias avançadas). Felizmente, vimos esforços para combater esse “acúmulo” por meio da contratação de mais funcionários, investimento em tecnologia e aproveitamento de contratos de compartilhamento de trabalho. Complementando este programa está a participação do Brasil em um programa “Rodovia de Processamento de Patentes”. Agora, os examinadores de patentes não precisam começar do zero para um pedido de patente inovador - eles podem trabalhar ao lado de seus colegas na Europa, Japão e Estados Unidos para revisar petições com rapidez e precisão.

E quais foram os resultados?
Cerca de quatro anos depois, os detentores de direitos relatam que a situação está melhorando continuamente - aumentando as perspectivas do Brasil em atrair investimentos de empresas inovadoras. Mas para ajudar a preencher essa lacuna, as empresas nacionais e estrangeiras contam com um prazo de patente estendido garantido pelo Artigo 40 da Lei de PI. O artigo 40 estabelece o prazo mínimo de 10 anos para as patentes de invenção e sete anos para as patentes de modelo de utilidade a partir da data de concessão. Devido ao atraso mencionado acima, o Artigo 40 é uma ferramenta crucial para os detentores de patentes que investem no Brasil. Entendemos que há questionamentos sobre a constitucionalidade desse dispositivo, e que - em última instância - será tomada uma decisão sobre o mérito dos casos apresentados. Independentemente do resultado, mudanças radicais no sistema de administração de patentes do Brasil apresentarão inúmeras e imediatas questões para os inovadores no Brasil e nos Estados Unidos.

O Brasil tem se destacado como um forte o ecossistema de inovação. Acredita que as startups possam ser uma solução para aumentar ainda mais esse índice brasileiro no ranking?
Apenas no mês passado, a Organização Mundial da Propriedade Intelectual celebrou o Dia Mundial da PI com foco em pequenas e médias empresas com uso intensivo de PI. No mesmo mês, o GIPC da Câmara dos EUA sediou uma série de eventos sobre a importância dos "ecossistemas de inovação" - como a colaboração entre agências governamentais, instituições acadêmicas, empresas iniciantes e empresas estabelecidas permite que eles alcancem juntos coisas que uma única instituição não pode. Startups e instituições acadêmicas são essenciais para a saúde geral de um ecossistema de inovação - ajudando a incentivar a formação de capital, o treinamento de trabalhadores e o fomento à inovação. Podemos ver isso em ação para as indústrias criativas nos Estados Unidos. Nesse país, os pesquisadores estimam que a indústria paga US $ 49 bilhões por ano para mais de 280.000 empresas em cidades pequenas em todo o país - e a própria indústria é composta por mais mais de 93.000 empresas, 87% das quais empregam menos de 10 pessoas. Mas nem é preciso dizer que as estruturas legais adequadas - direitos autorais, patentes, marcas registradas, fiscalização e outros - estão em vigor com segurança. Então, o que isso significa para o Brasil? Sim, o país tem um setor privado inovador, com oportunidades de crescimento por meio de insumos intensivos em PI. Mas está claro que, em alguns níveis, os detentores de direitos locais e estrangeiros precisam de maior segurança jurídica para apoiar um ecossistema mais robusto.

O Brasil continua exportando commodities e importante produtos de valor agregado. Às vezes, compramos o carro com o nosso minério, com bem menos valor agregado. O que fazer para melhorar este cenário?
Um ponto interessante a se fazer aqui é que as proteções de propriedade intelectual não apenas apoiam indústrias obviamente inovadoras como os setores farmacêutico, de TIC, de tecnologia de comunicação ou de conteúdo criativo - elas também podem melhorar a competitividade de outros setores. Acho que isso é particularmente atraente no Brasil, que, como você corretamente observou, é um grande exportador de commodities. Segundo pesquisa da LicksLegal, existem, por exemplo, cerca de 4 mil patentes de inovações agrícolas no Brasil. Quando combinada com a escala e experiência do país neste campo, a propriedade intelectual e as inovações que apoiam tornam-se insumos essenciais - melhorando a competitividade global da indústria local. E isso confirma o Anexo Estatístico de 2019 do Índice, que encontrou correlações convincentes entre fortes proteções de PI e competitividade, resultados inovadores e maiores atividades de P&D.

Qual a importância, na sua opinião, de uma nação ser altamente forte quando o assunto e inovação e Propriedade Intelectual? 
Acho que seu ponto anterior sobre “comprar carros com minério de ferro” é útil ter em mente aqui - ou seja, que as nações com fortes indicadores de inovação (e as estruturas de propriedade intelectual que os suportam) provavelmente terão economias mais diversificadas e resilientes. De acordo com o IP Índex de 2020 (página 18), as economias com sistemas de IP eficazes têm 38% mais probabilidade de atrair capital de risco e capital privado, têm 2x mais resultados inovadores e têm mais de 550 invenções de alto valor por milhão de habitantes, entre outros benefícios. Como os negócios com uso intensivo de PI dependem de fortes normas legais e investimentos de longo prazo, os países podem se beneficiar não apenas da melhoria dos indicadores socioeconômicos, mas da maior estabilidade que advém da diversidade econômica.