A Inteligência Artificial (IA), está chegando às Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), para facilitar tomadas de decisão e preservar vidas de pacientes em estado crítico.
Um novo estudo, publicado este ano na Revista Brasileira de Enfermagem, registra a utilização, pela primeira vez, de IA para estimar o tempo de execução do banho de leito em pacientes críticos, internados em UTIs. O projeto foi apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). A coordenadora Luana Vieira Toledo, professora do Departamento de Medicina e Enfermagem da Universidade Federal de Viçosa (UFV), conta que o banho no leito é uma prática comum nas UTIs que apresenta riscos para quem o recebe.
Coleta de dados
Para solucionar o problema, a pesquisadora testou diferentes métodos de IA para predizer o tempo de banho, considerando o estado de saúde de cada paciente. A equipe de pesquisa chegou às chamadas Redes Neurais Artificiais (RNA) - metodologia inspirada na arquitetura dos neurônios humanos - para reconhecer padrões diante de uma quantidade grande de dados e reproduzir aprendizado. É a mesma lógica utilizada por sistemas como Siri, Google Now e Google Translate.
O algoritmo utilizado na pesquisa recorre ao banco de dados produzido ainda durante a pesquisa de doutorado de Toledo. Para o estudo, a pesquisadora realizou, juntamente com outros pesquisadores assistentes, o banho de leito de 50 pacientes críticos em uma UTI na cidade de Viçosa. Foram coletadas informações sociodemográficas e clínicas, como o tempo de execução do banho, idade, gênero, presença de comorbidades, uso de sedativos e dispositivos invasivos utilizados para o tratamento de pacientes críticos.
A ferramenta conseguiu alcançar uma precisão de 68,6% na previsão do tempo de banho dos pacientes acamados. Para validar os resultados e ampliar o banco de dados, a equipe de pesquisa avança na coleta de dados em outras três unidades de terapia intensiva. Até então, já somam dados de mais 300 banhos realizados em diferentes instituições para verificar a qualidade dos resultados do algoritmo e a necessidade de incluir novas variáveis.
A pesquisa segue na construção de uma ferramenta online que deve ser disponibilizada gratuitamente. O aplicativo web servirá para orientar as equipes de enfermagem na tomada de decisão sobre a realização do banho no leito de forma mais segura e na otimização da divisão do trabalho de forma equânime, contribuindo com a redução da sobrecarga e absenteísmo dos profissionais da saúde responsáveis pela função nas UTIs.
Enfermagem e IA
Toledo conta que, na área da saúde, os estudos de predição têm avançado, mas na Enfermagem ainda são incipientes. Para ela, isso deve-se a uma ausência de financiamento nos estudos desta natureza, à ausência de conteúdos relativos à informática e IA nas estruturas curriculares dos cursos de graduação em Enfermagem e, especialmente, à fragmentação dos bancos de dados de prontuários eletrônicos.
A maioria dos estudos na área são internacionais, em menor proporção nacionais. São estudos que observam a aplicabilidade da inteligência artificial, avaliando métodos de ensino, avaliando o uso de simuladores virtuais, observando as emoções dos estudantes ao serem submetidos a uma determinada metodologia ativa. Outros buscam ferramentas para predizer a gravidade de um paciente e a necessidade de acionar um time de resposta rápida capaz de intervir em casos de parada cardíaca, por exemplo. Alguns também utilizam IA para avaliar lesões por pressão e orientar a melhor conduta técnica.
A pesquisadora ainda cita estudos que fazem o processamento da linguagem natural – quando se observam dados da evolução dos pacientes e utilizam-se ferramentas como o ChatGPT para criar um plano de cuidados personalizado. Para Toledo, com a aplicação da IA à área da saúde, estaríamos “abrindo uma caixa de pandora”. É um caminho inevitável, mas que não pode renunciar à humanização.
Para a pesquisadora, nestes casos, é preciso observar os resultados apresentados por ferramentas como o ChatGPT sem os levar como verdade absoluta, pois elas podem carregar viés e produzir inferências negativas, além de orientar intervenções que podem ser desnecessárias e até maléficas para o paciente. Por isso, defende que os profissionais sejam alfabetizados para fazer o uso racional e responsável dessa IA.