Pesquisas mostram a importância da natureza para o desenvolvimento infantil

Vivian Teixeira - 21-06-2024
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Nos últimos meses, alguns estudos foram divulgados sobre o uso prejudicial de telas na infância. Entretanto, ainda são poucas as pesquisas que focam em um importante antídoto contra esse fenômeno: o contato com a natureza. Se as crianças estão ficando mais tempo em dispositivos eletrônicos, a ciência mostra que oferecer a elas espaços com natureza pode ser uma solução simples e barata para combater o problema.

Um estudo, publicado em 2020, pela British Ecological Society Journal People and Nature, intitulado Conexão com a natureza na infância e esperança construtiva: Uma revisão de pesquisas sobre conexão com a natureza e enfrentamento com perda ambiental (em tradução livre), reuniu diversos estudos sobre o assunto. Além de propor uma revisão da literatura sobre tópicos correlatos, o artigo apresentou dados quantitativos e qualitativos acerca da temática. O trabalho conclui que as crianças são mais felizes e têm maior probabilidade de proteger o mundo natural quando possuem ligação maior com ele, mas essa ligação é complexa e  pode gerar emoções negativas relacionadas a questões como as alterações climáticas.

Outro estudo publicado no mesmo ano, dessa vez pela U.S Environmental Protection Agency, a Agência de Proteção Ambiental Americana, publicou o trabalho O papel da interação com a natureza no desenvolvimento infantil: Um serviço ecossistêmico subestimado. A pesquisa detalhou o importante papel dos ecossistemas naturais e de seus serviços na função cognitiva e no desenvolvimento físico na infância e a conexão de serviço no ecossistema de desenvolvimento.

Com o intuito de orientar pediatras, educadores, famílias, crianças e adolescentes acerca dos benefícios das atividades na natureza, a Sociedade Brasileira de Pediatria e o Instituto Alana publicaram o Manual de orientação Benefícios da Natureza no Desenvolvimento de Crianças e Adolescentes. O material foi desenvolvido pelo Grupo de Trabalho em Saúde e Natureza e, além de orientações simples direcionadas a cada público, também reúne diversos materiais de apoio como livros, filmes e entrevistas sobre o assunto.

Além das constatações já descritas por diversas pesquisas, os benefícios que o contato com a natureza possibilita às crianças também é observado pelos profissionais da saúde. A pediatra e psiquiatra Janaina Matos Moreira, que também é professora adjunta do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro do Grupo de estudos de Desenvolvimento da Primeira Infância do Departamento de Pediatria da Universidade, observa os benefícios dessa exposição em seus pacientes das unidades básicas de saúde de Belo Horizonte. 

Para a médica, diante da rotina das crianças com inúmeras demandas, o contato com a natureza é uma forma de compensar ou contrabalancear essa realidade atual, quando as crianças se assemelham a mini adultos em termos de obrigações. “Temos excelentes evidências de que os ambientes naturais auxiliam as questões cognitivas, ou seja, a capacidade da criança fazer planejamento, se manter concentrada em uma determinada atividade. Também ajuda na parte emocional, para que ela desenvolva segurança e senso de pertencimento, o que é extremamente importante no desenvolvimento dessas habilidades. Essas atividades também são uma forma de evitar ou minimizar sintomas de ansiedade e depressão, na infância e também na adolescência”, afirma.

Janaina lembra que o acesso a espaços de natureza também esbarra em questões socioeconômicas, como renda e raça, e que, por isso, é preciso envolver muitos atores para garantir esse direito das crianças. Ela recomenda que, quando não for possível visitar um parque ou uma grande área de floresta, é preciso oferecer isso em pequenas doses, como uma volta no quarteirão ou um momento cuidando de uma planta em casa. “Antes prescrevíamos recomendações sobre a alimentação e vacinas. Hoje, os benefícios de tudo isso já são conhecidos, então também prescrevemos outras quatro coisas: brincar, leitura com um momento mais próximo do cuidador em que a criança possa usar a imaginação, atividade física e contato com a natureza”. A pediatra lembra que muitas crianças não têm tempo de brincar, porque já nascem com inúmeras limitações em função da família não ter uma renda digna para poder trabalhar um número de horas que permita chegar em casa e essa criança ainda estar acordada. Por isso ela acredita ser urgente pensar em alternativas para garantir esse direito.

Experenciar a natureza

Férias no Museu: Foto: Museu de Ciências Naturais PUC Minas 

O brincar também é citado como essencial por Mônica Meyer, pesquisadora e professora aposentada da Faculdade de Educação da UFMG. Ela explica que brincar é fundamental porque ao mesmo tempo em que a criança interage, ela exercita várias capacidades e funções, aprende sobre si mesmo e o outro. Nesse contexto, qualquer elemento da natureza pode transformar em brinquedo, como pedras, folhas, galhos, frutos, sementes, água, vento. E assim, por meio da imaginação e das representações sociais e culturais, ela puxa o fio para inventar estórias. 

Mônica recorda que o corpo aprende de forma sinestésica e, por isso, deve-se estimular constantemente as percepções de ver, ouvir, tocar e cheirar de forma simultânea. “E um ótimo espaço nas cidades para desenvolver essa capacidade e ampliar o contato com a natureza são as praças, parques, jardins, quintais, pomares, mercados, cozinhas, zoológicos, jardins botânicos. No cotidiano, muitas vezes olhamos e não vemos, não reparamos, não dedicamos um tempo para observar com atenção e exercitar a percepção sensorial. Não basta ter plena visão para ver. É preciso exercitar a sensibilidade de perceber, de auscultar e interpretar a natureza”, defende. 

Para a pesquisadora, esse exercício deve ser permanente. Cada amanhecer, entardecer e anoitecer é único, não se repete, e as pessoas foram perdendo a capacidade de leitura do mundo natural, de interação com a natureza, porque as cidades estão cada vez mais artificiais e impermeabilizadas com concreto e asfalto. Consequentemente, reduziu-se o contato com o mundo natural e ampliou-se o contato com uma natureza extremamente manipulada ou virtual. “Por exemplo, uma folha de papel, uma cadeira de madeira, um tecido de algodão provém de uma árvore, mas passaram por tantas transformações que é impossível reconhecer a planta original. Tomar um banho de cachoeira é muito envolvente, uma experiência fascinante e corporal, o contato com água, sentir o cheiro, provar o frescor, descobrir as cores, uma integração. Num mundo automatizado e cada vez mais virtual, nos distanciamos do mundo natural e aprendemos a desaprender”, acredita.

Explorar os espaços

Essa relação íntima das pessoas com o ambiente natural está relacionada à biophilia. Esse termo foi cunhado por um professor de ecologia na Universidade de Yale, Stephen Kellert. Etimologicamente, a palavra vem do grego, philia que significa amor, e  bio, que vem de vida. Para Kellert, a biofilia seria essa “inclinação inata” que os humanos têm em relação aos processos naturais do mundo. Nesse contexto, essa aproximação pode acontecer tanto em casa, em praças e outros espaços públicos, como também em ambientes não formais de aprendizagem.

Para Andrea Siqueira Carvalho, professora adjunta do Departamento de Geografia, pesquisadora e coordenadora do Programa de Extensão Estação Ecológica (PROECO) da UFMG, os espaços naturais precisam estar disponíveis para a população. A Estação Ecológica é uma área de 114 hectares, tombada como Patrimônio Cultural do município, que busca transpor os muros da universidade e dialogar com a sociedade, tanto numa perspectiva de divulgação científica – para ofertar uma ciência de qualidade, acessível, democrática, popular, quanto na perspectiva de incentivar o conhecimento sobre a biodiversidade. “Trabalhamos com a abordagem da educação ambiental crítica e, dentro dessa abordagem, é muito importante a vivência da pessoa. Falamos das questões ambientais, das problemáticas, da importância da natureza, da importância das relações ecológicas, para promover um processo de imersão, que permita sentir a natureza e desenvolver um sentimento de pertencimento. Nesse sentido, são trabalhados os atributos biológicos, sociais, socioculturais e históricos”, explica.

Atualmente, a Estação Ecológica da UFMG atende a todas as escolas municipais de Belo Horizonte, a qualquer escola interessada, e ao público geral, que pode visitar o espaço por meio do Projeto Estação Aberta. As visitas devem ser agendadas por meio de formulário no site e podem envolver atividades com conteúdos interdisciplinares que incluem trilhas ecológicas, oficinas ambientais direcionadas a diferentes faixas etárias ou simplesmente espaço para contemplar a natureza. 

Para Andrea, o primordial é proporcionar às crianças e jovens esse sentimento de pertencimento, de sensibilização. Eu não consigo ter um vínculo com aquilo que não conheço, por isso precisamos investir nessa vivência. Normalmente, os relatos que temos sobre a visita é a partir de uma experiência vivencial que os estudantes, de alguma forma, começam a relatar um sentimento de se perceberem como parte. Assim, eles conseguem trabalhar melhor a ideia da conservação”, afirma.

Nesse mesmo sentido, o Museu de História Natural da PUC Minas atua como mais uma alternativa de ofertar às crianças, jovens e à população geral de Belo Horizonte e Região Metropolitana oportunidades de contatos com a natureza. O Projeto, que tem o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), é um espaço interdisciplinar onde o ensino, a pesquisa e a extensão se realizam em um diálogo que envolve toda a comunidade acadêmica e diferentes segmentos da sociedade. 

Atualmente, além de ser um ambiente para contemplação para as crianças, com brincadeiras – jardim de borboletas, onde os pequenos podem se encantar com as cores –atividades de escavação e lançamento de foguete, o espaço tem diversas exposições que contemplam temas como arqueologia, paleontologia, biologia, história, antropologia, entre outros. 

O pesquisador e coordenador do espaço, Henrique Paprocki, também acredita que essa interação com os ambientes naturais precisa ser estimulada ao longo da vida. “Precisamos ensinar as crianças a gostarem desses espaços e, quando possível, podemos, ao invés de combater os mobiles, os aplicativos, usá-los para a própria percepção da natureza e tornar aquilo um jogo um pouco mais interessante. Estou orientando um trabalho que envolve um aplicativo de celular para identificar polinizadores no jardim das borboletas. Ele vai complementar algumas atividades ao ar livre, conjugadas com atividades de uma exposição que já temos”, afirma.

Além disso, o espaço está possibilitando uma nova experiência para as crianças por meio da observação de outro espaço natural: o céu. Em abril deste ano, foi inaugurado o Planetário PUC Minas, com uma cúpula de dez metros de diâmetro e capacidade para quase 80 pessoas, o Planetário utiliza tecnologia avançada para proporcionar aos visitantes uma jornada fascinante pelo cosmos em sessões comentadas. Os filmes são exibidos em formato fulldome (formato de projeção de vídeo em domo imersivo), proporcionando ao espectador uma experiência profunda.

Apesar de a entrada no Museu ser paga, há meia entrada e gratuidade para alguns públicos. Em 2023, foram mais de 100 mil visitantes, sendo que foram oferecidas 10.700 entradas gratuitas, beneficiando uma variedade de públicos, incluindo crianças, idosos e grupos escolares.


Estação Ecológica da UFMG. Foto: Helena Campos Ratton

Políticas Públicas pelo acesso ao verde

Apesar de o contato com natureza ser uma garantia presente na Constituição brasileira, na Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos da Criança (UN-CRC), no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação e, mais recentemente, no Marco Legal da Primeira Infância, esse direito ainda não é usufruído por todas as crianças. 

Com o intuito de lutar por políticas públicas que garantam o pleno desenvolvimento infantil, o que inclui o contato com a natureza, nasceu, em 2022, a Rede Primeira Infância – Minas Gerais (REPI-MG), que é um foro de articulação aberto à participação de organizações e pessoas que atuam direta ou indiretamente na promoção, proteção, defesa e garantia dos direitos de crianças de até seis anos, como etapa inicial da formação da pessoa humana.

A REPI-MG tem como missão articular e mobilizar organizações, pessoas e meios de comunicação para garantir e promover os direitos da criança na Primeira Infância. Além de organizações, movimentos, coletivos e universidades, integram a REPI-MG pessoas físicas ligadas à Primeira Infância em diversas áreas profissionais. Recentemente, a Rede participou de um seminário realizado pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais (Sedese), com o objetivo de criar o Plano Estadual de Primeira Infância. O objetivo do Plano é traçar as diretrizes estaduais de atenção à primeira infância, entre elas as que envolvem o acesso a espaços naturais.

Para Desirée Ruas, pesquisadora e coordenadora da REPI-MG, é a mobilização de diferentes atores da sociedade – Estado, sociedade civil, academia, empresas e das próprias crianças – que vai ajudar a construir essa nova realidade. “Destaco o papel dos cientistas nesse processo. São eles que produzem as pesquisas e o conhecimento que mostram os benefícios do contato com a natureza desde cedo. Quando os pesquisadores se envolvem, temos mais arcabouço científico para propor as políticas públicas”, afirma.

Atualmente, a REPI-MG está com a campanha 50 Planos Municipais de Primeira Infância de Minas Gerais em vigor, que visa apoiar os municípios nessa construção. Essa mobilização surgiu a partir da constatação de que apenas dois dos 853 municípios de Minas Gerais tinham um Plano Municipal pela Primeira Infância (PMPI). Os pioneiros são Alfenas, no Sul de Minas, e Jequitinhonha, no Vale do Jequitinhonha. Os dados são da Plataforma Observa, Observatório do Marco Legal da Primeira Infância, da Rede Nacional Primeira Infância (RNPI). A capital mineira está iniciando o desenvolvimento do plano, e Contagem, Itabira e Juiz de Fora já estão avançados no processo, em um grupo de 108 municípios que participam da campanha da REPI-MG.

Quer saber mais sobre o assunto? Acesse:

Projeto Na pracinha – Iniciativa que promove experiências que abraçam múltiplos

brincares e ressignificam a relação criança, adulto, cidade e natureza: https://napracinha.com.br/ 

Urban 95 – Plataforma que convida assim líderes, gestores públicos, arquitetos e urbanistas a pensar as cidades sob a perspectiva de quem tem 95 cm – a altura média de uma criança de 3 anos: https://urban95.org.br/ 

Instituo Alana - Reúne programas próprios, projetos e parcerias para, assim, garantir condições para o desenvolvimento integral da infância em seus diferentes espaços de vivência: https://alana.org.br/