Pesquisas genéticas contribuem para o controle das arboviroses em Minas

Bárbara Teixeira - 26-01-2024
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O início de janeiro de 2024, no Brasil, foi marcado por uma explosão de casos de arboviroses, principalmente de dengue e chikungunya. Somente em Minas Gerais, os casos aumentaram 754% nos primeiros dias do ano, de acordo com o Boletim Epidemiológico divulgado pela Secretaria de Saúde do Estado de Minas Gerais (SES-MG). Diversas pesquisas, desenvolvidas com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), investigam o vírus desde a primeira epidemia documentada clínica e laboratorialmente, em 1981, e possibilitam prever como ele reage ao clima tropical e como funcionam os ciclos da doença, que costumam resultar em epidemias explosivas a cada quatro ou cinco anos.

O país, hoje, passa por um ciclo epidêmico que começou em 2023 e foi previsto de chegar ao seu ápice em março de 2024, segundo o Ministério da Saúde. Em dezembro do último ano, a pasta também chegou a prever e separar verbas para o enfrentamento da doença. O pesquisador Felipe Iani, chefe do Serviço de Virologia e Riquetsioses (doenças infecciosas com quadros febris e hemorrágicos), do Laboratório Central de Saúde Púbica (Lacen-MG) da Fundação Ezequiel Dias (Funed), atua na vigilância dos arbovírus por meio do sequenciamento genético, e tem auxiliado as autoridades públicas de Minas Gerais em ações para mitigar as infecções.

De acordo com o pesquisador, os ciclos epidêmicos acontecem porque a dengue possui quatro sorotipos bem diferentes entre si. Porém, é necessário entender que uma pessoa não é infectada mais de uma vez pelo mesmo tipo de vírus. “Se há circulação do vírus dengue1, por exemplo, em determinada região, como ocorre atualmente em Minas Gerais, esse vírus não vai mais causar grandes epidemias, por um período. Isso porque as epidemias ocorrem quando, com o passar dos anos, pessoas que vieram de outros locais ou que nunca tiveram contato com o vírus são acometidas pela doença”, explica.

As autoridades que monitoram os surtos estimam de 10 a 12 anos para uma nova epidemia do mesmo vírus acontecer na mesma localidade. A última vez que Minas Gerais teve um surto da dengue tipo 1 foi em 2015, mas outras epidemias de dengue aconteceram neste intervalo de tempo até 2024. “Quando temos uma parcela significativa da população susceptível, as pessoas que ainda não tiveram contato com o vírus podem romper essa barreira e causar um novo surto da doença. Como são quatro sorotipos do vírus, eles vão se intercalando. Assim, o sorotipo 1 some por um tempo e reaparece novamente depois de 10, 12 anos”, comenta Iani.

O pesquisador também explicou que o tempo médio para ocorrerem grandes ciclos epidêmicos com os outros sorotipos é de quatro ou cinco anos. De acordo com artigo publicado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o perfil epidemiológico do país também tem mudado ao longo dos ciclos, sendo que, até 2006 e 2007, existiam mais adultos infectados e, desde então, houve a maior incidência em crianças. 

Zika vírus e Chikungunya

A arbovirose mais conhecida e mais infecciosa é a dengue, porém, desde 2013, houve a introdução do zika vírus e da chikungunya no país. Iani explica que ainda há poucos estudos sobre as doenças, principalmente sobre o zika, mas que algumas teorias já puderam ser retiradas. “Nós [pesquisadores] acreditamos que tenhamos hoje menos casos de vírus zika porque, provavelmente, grande parcela da população foi infectada, ficando imune. Também não sabemos o seu comportamento no ciclo silvestre nas Américas, porque ele é um vírus de origem africana. Conhecemos um pouco melhor o ciclo dele nos primatas de lá, mas aqui temos outros tipos de primatas e outro ambiente”, explica o pesquisador. Atualmente, em Minas, não há nenhum caso confirmado de infecção por esse vírus.

Como um dos produtos resultantes da sua tese de doutorado, Iani estudou o comportamento do vírus em circulação em Minas Gerais para compreender a diversidade da arbovirose e ajudar a diminuir o impacto dessa doença na saúde pública. Os principais picos de infecção pelo zika vírus no Estado acontecerem em março de 2016 e março de 2017. 

No caso da chikungunya, as infecções pelo vírus vêm aumentando ao longo dos anos. Dados da Fiocruz mostram que em 2023, a incidência foi de 40,7 casos para 100 mil habitantes, 40% a mais que 2022. Em janeiro de 2024, as análises dos boletins epidemiológicos divulgados pelo Governo de Minas Gerais mostraram aumento das infecções pelo vírus, sugerindo crescimento 4.219% no estado, pulando de 71 casos, em 8 de janeiro, para 3.067, em 22 de janeiro. 

Em sua tese, Iani também discorre sobre os tipos existentes do vírus no país, sendo o de origem africana a cepa que mais se espalhou pelo Brasil e nas Américas. Em estudos mais recentes, os pesquisadores chegaram à conclusão de que algumas mutações do vírus da chikungunya facilitaram a sua adaptação ao vetor, o mosquito Aedes aegypti, em mais de 100 vezes, o que pode explicar uma epidemia que aconteceu há alguns anos na Ásia. “A chikungunya chegou ao Brasil com duas linhagens diferentes, a asiática e a africana. Por algum motivo, uma sumiu e a outra continua até hoje e não sabemos ao certo porque uma se sobrepôs à outra. O importante é que estamos sempre acompanhando o comportamento do vírus para entender as diferenças e as relações, tanto com o hospedeiro, quanto com os vetores”, explica o pesquisador.

Vigilância genômica


Felipe Iani trabalhou em seu doutorado com a análise das características de arboviroses em Minas Gerais. Créditos: Ana Luiza Adolfo/Assessoria Funed

As variações das arboviroses possuem especificidades que podem contribuir para uma maior transmissibilidade, gravidade e até letalidade. Mas para chegar a esses resultados são necessárias pesquisas de sequenciamento genético. “Por meio da vigilância genômica, passamos a conhecer mais os vírus e suas mutações. O sequenciamento possibilita, por exemplo, saber a sua origem, como eles evoluíram e se adaptaram em determinado local”, explica o pesquisador. Quanto a esse ponto, Iani também fez um paralelo com as linhagens descobertas do vírus causador da covid-19 durante a pandemia.

Esse tipo de estudo ganhou destaque nos últimos anos para auxiliar as autoridades públicas em ações de mitigação das doenças. “Temos que fazer esse acompanhamento para conseguir detectar o mais rápido possível as alterações e alertar as autoridades. Por exemplo, se está tendo um surto em determinada região e a gente detectar que aquele vírus tem alguma diferença genética, isso já é um sinal de alerta de que ele pode ter algum agravante”, destaca.

Nos estudos feitos com a dengue, já foi possível identificar algumas mutações, que, segundo Felipe Iani, são naturais para o tipo do vírus. “São vírus com material genético que a gente chama de RNA e são naturalmente mais mutantes. Não tanto quanto os vírus respiratórios, como a influenza e o SARS-CoV-2, mas que possuem uma taxa de mutação considerável. Se você considerar o vírus de hoje, ele é diferente daquele de 2017, mas ainda não sabe ao certo qual é o impacto dessas mudanças, uma vez que é necessário muitos estudos para se chegar a conclusões”.

Com os estudos feitos até hoje já foi possível coletar dados genômicos tanto da dengue, quanto de outros vírus, que possibilitaram a criação de vacinas, tratamentos eficientes às doenças e diagnósticos conclusivos. O Lacen-MG hoje possui um projeto em parceria com o Instituto Butantã que exige um acompanhamento constante das variações dos materiais genéticos. “Nós temos uma parceria com o Butantan sequenciamos os vírus da dengue, da influenza e da Covid-19.Como eles produzem vacinas para essas doenças, é necessário acompanhar a genômica dos vírus para ver se aparecem mutações”, conta.

Sintomas e gravidade

As infecções por arboviroses têm ficado mais preocupantes ao longo dos anos, mas são necessárias mais pesquisas para compreender a gravidade e a letalidade de cada linhagem de vírus. Teorias mais recentes não associam um caso mais grave de dengue a um sorotipo específico devido à falta de estudos. “A dengue 1 também tem genótipos ou ‘sublinhagens’ diferentes. Então, os pesquisadores sempre procuram associar as principais características, como a questão da gravidade ou transmissibilidade dentro das sublinhagens ou variantes, dentro de cada sorotipo”, explica Felipe Iani.

Hoje percebemos que não existe muita divergência de sintomas entre os sorotipos. Apesar de alguns autores falarem que a dengue tipo 2 pode ser mais grave, isso não é muito bem aceito, destaca o pesquisador. Com isso, ele também destaca que aqueles locais em que há mais casos graves podem ser locais em que faltam mais preparo para receber os pacientes.

O pesquisador alerta que a segunda infecção pela dengue pode ser mais grave que a primeira. “Isso porque, quando o vírus infecta o organismo pela primeira vez, o sistema imunológico produz anticorpos para eliminá-lo. Nos casos de reinfecção pelo vírus da dengue, diferentemente de outras doenças em que essa ação de defesa do organismo se repete mais rápido, ocorre uma falha no sistema imune. Com isso, as células de defesa podem não agir de forma a neutralizar a ameaça do vírus, fazendo com que o novo vírus se espalhe mais rapidamente e agrave a forma doença”, destaca. 

Os principais sintomas da dengue clássica são febre alta (39° a 40°C) e abrupta, dor de cabeça ou nos olhos, cansaço ou dores musculares e ósseas, falta de apetite, náuseas, tonteiras, vômitos e erupções na pele. Geralmente a doença pode durar de cinco a sete dias. A evolução para a dengue hemorrágica pode acontecer a partir do terceiro dia com o aparecimento de pequenos sangramentos no nariz, gengiva e boca, evoluindo para vômitos intensos, dor abdominal, olhos vermelhos, dificuldade para respirar e confusão mental. Com isso, as principais recomendações são repouso e hidratação. Também são indicados medicamentos para aliviar os sintomas, como antitérmicos, mas para isso, é sempre necessário consulta médica.

No caso da chikungunya, a doença se caracteriza por ser incapacitante, já que os principais sintomas são febre alta e abrupta, dores intensas nas articulações, no corpo e na cabeça, erupções cutâneas e fadiga. O maior problema é o seu fator debilitante, já que ela pode durar semanas, impossibilitando que as pessoas exerçam suas atividades diárias. Cerca de 15% das pessoas contaminada pelo vírus podem não apresentar sintomas e o principal tratamento também é repouso, hidratação e medicamentos para aliviar os sintomas.

O zika vírus possui um tipo de transmissão um pouco diferente das demais arboviroses. Além de possuir o Aedes aegypti como principal vetor, existem evidências de transmissão por transfusão de sangue, via sexual, principalmente de homem para mulher e perinatal em aproximadamente 26% das mães infectadas. Com isso, em 2016, o vírus no Brasil foi associado ao aumento de casos de microcefalia em recém-nascidos, o que provocou Organização de Saúde (OMS) a decretar emergência de saúde pública de interesse internacional. Vale dizer que a grande maioria dos infectados por zika vírus não desenvolvem sintomas. Entretanto, os demais podem apresentar febre baixa, dor de cabeça, conjuntivite, erupções cutâneas, coceiras e dores leves nas articulações.

Desafios na erradicação

Embora existam tratamentos e medicamentos que aliviem os sintomas das arboviroses, segundo o pesquisador Felipe Iani, um dos tratamentos mais eficazes seria a vacina. No âmbito da dengue, recentemente, o Sistema Único de Saúde (SUS) recebeu as primeiras doses do imunizante contra a doença. Segundo Iani, o principal fator complicador para a fabricação da vacina são os sorotipos e as mutações que podem acontecer dentro do vírus. 

A vacina disponível no Brasil é a Qdenga, produzida e disponibilizada por um laboratório japonês e eficiente contra os quatro sorotipos do vírus da dengue – DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. As análises realizadas pela Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim) mostraram que ela é eficaz em 69,8% dos casos de dengue 1; 95,1% contra o dengue 2 e 48,9% contra dengue 3. A eficácia para o tipo 4não pode ser avaliada, pois durante os estudos não tiveram pessoas infectadas o suficiente com esse sorotipo.

Para o zika vírus e a chikungunya ainda não existem vacinas. “As arboviroses, assim com outros vírus, são doenças de países pobres e em desenvolvimento, então nós não temos tantos recursos como os países desenvolvidos. Diferente do que ocorreu com a covid-19, por exemplo. Como ela impactou o mundo inteiro, todos os grandes centros de pesquisa passaram a estudar esse vírus e, com isso, alcançamos respostas muito mais rápidas”, destaca o pesquisador.

Esse é um dos gargalos para a erradicação das arboviroses no Brasil e que anda junto com as mudanças climáticas e a urbanização desenfreada. De acordo com dados da Fiocruz, as arboviroses vêm aumentando ao longo dos anos no país, sendo que em 1998, a média de internações pela doença era de quatro pessoas por 100 mil habitantes e, de 2000 a 2010, a média subiu para 49 pessoas por 100 mil habitantes. “Hoje, o mais aceito na literatura está ligado a esse crescimento desordenado da urbanização e à questão ambiental, principalmente quanto à temperatura e umidade. Os mosquitos que transmitem as arboviroses precisam tanto da água quanto do calor para se reproduzirem e sobreviver”, completa Iani.

Com isso, os pesquisadores começaram a observar que, com o aumento das temperaturas no mundo, houve também o aumento e expansão dos vetores fora da região central do planeta, que tem como característica o clima tropical. . De acordo com o pesquisador, os vetores, assim como os vírus, passaram a ser encontrados em regiões como o sul dos Estados Unidos, sul da Europa, na Itália, e em outras regiões mais frias e temperadas onde antes não existiam.

Dicas de prevenção

Os resultados do 3º Levantamento Rápido de Índice de Infestação por Aedes aegypti (LIRAa), apresentado pelo Ministério da Saúde no final de 2023, mostraram que 74,8% dos focos do mosquito estão nos domicílios, como em vasos e pratos de plantas, garrafas retornáveis, pingadeira, recipientes de degelo em geladeiras, bebedouros em geral, pequenas fontes ornamentais e materiais em depósitos de construção (sanitários estocados, canos, etc.).

Com isso, o cuidado e a vigilância individual dentro de casa ainda são os melhores métodos preventivos contra as arboviroses. O combate à doenças passa por impedir a reprodução e o nascimento dos mosquitos. Confira algumas dicas de como eliminar os criadouros:

Mantenha as caixas d’águas bem fechadas;

Receba em casa os agentes de saúde e os de endemias; 

Amarre bem os sacos de lixo;

Coloque areia nos vasos de planta;

Guarde pneus em locais cobertos;

Limpe bem as calhas de casa;

Não acumule sucata e entulho;

Esvazie garrafas pet, potes e vasos.