Com apoio da FAPEMIG, o projeto da Escola de Design da Uemg marcou a história de profissionais de sucesso
Quem passa pela Praça da Liberdade, mais especificamente, na esquina entre Rua Gonçalves Dias e a Avenida João Pinheiro, encontra o elegante edifício da Escola de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg). A obra modernista de Raphael Hardy abriga a memória do primeiro prêmio de Design da Escola de Design da Uemg, o projeto Sabiá.
Os carros de corrida expostos no hall convidam o olhar de quem passa por lá, mas os detalhes dessa história não são tão óbvios ao observador desatento. Por trás de designs premiados, com inspirações na cultura geek, outras vezes na aerodinâmica sutil de elementos da natureza, o motor principal da iniciativa foram os jovens estudantes do curso de Design, que tiveram suas trajetórias transformadas pela iniciativa.
O projeto Sabiá foi idealizado pelo pesquisador Jairo José Drummond Câmara, hoje professor Emérito da Escola de Design da Uemg, enquanto fazia parte do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design e Ergonomia (CPqD). O primeiro carro foi feito a convite da organização da Shell Eco-marathon – competição mundial que visa à redução do consumo de combustível e à aplicação de processos e materiais inovadores.
Para Jairo, o design dos carros, largamente reconhecidos na história da competição, chega a ser irrelevante diante da formação dos seus alunos. No contexto do Sabiá 3, especialmente, o professor recebeu, indicado pela Uemg, a Medalha de Honra da Inconfidência Mineira pela sua contribuição ao Design Mineiro. “Considero e considerei que essa homenagem foi para todos os professores e alunos envolvidos, eu apenas representei a todos. Afinal, os Sabiás são uma das identidades da Escola de Design, construída há mais de 15 anos, não é?”.
Entre sem bater
Em 1993, dois amigos alunos do curso de Design da Uemg, Róber Botelho e Arnaldo Cruzeiro, apaixonados por design de automóveis, se encantaram pelo projeto e buscaram o CPqD. “Era uma sala no segundo andar na faculdade com uma placa dizendo: Entre sem bater. Eu me lembro que eu e o Róber fomos lá e batemos. Envergonhados, abrimos um cantinho da porta. O Jairo estava fazendo uma reunião e nos recebeu enérgico. ‘Entre sem bater! Pode entrar! Pode entrar’, com aquele jeito elétrico dele”, relembra Arnaldo.
Por volta dos anos 2000, sonhar em criar carros era bastante limitado no país. Os alunos tiveram na figura de Jairo, recém-chegado do seu doutorado na França, uma das poucas referências nacionais em transportation design. A possibilidade de atuação também era limitada a poucas montadoras no país: a Fiat, que tinha um pequeno estúdio de design, e a Volkswagen, localizada em São Paulo.
Juntos, os alunos apoiaram o projeto Ária – veículo 4x4 adaptado para as ruas da cidade e os caminhos off-road com apoio da FAPEMIG. “Foi uma maneira de entrar nesse mundo automotivo. A minha iniciação”, relembra Arnaldo. Posteriormente, os amigos incentivaram a retomada do projeto Sabiá, até então descontinuado. “Nós convencemos o Jairo a reativar o projeto”, compartilha Róber. Na equipe, contribuíram para o desenvolvimento do estilo e linguagem dos carros, juntos no Sabiá 3. Róber participou até o último projeto, o Sabiá 6.
O Sabiá 6 contou com apoio da FAPEMIG, no valor de R$ 48 mil, e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com aproximadamente R$ 150 mil. O carro ganhou o primeiro lugar na categoria de Design Inovador, em 2009. Tinha a cor laranja em homenagem ao Estado da Califórnia, onde ocorreu a competição, e design inspirado nos Bugatti da década de 1930 e na armadura do herói Homem de Ferro.
Sabiá 6 exposto na Escola de Design da Uemg Foto: Arquivo Pessoal
Aprendizado ativo
Para Róber, participar do projeto o ajudou a se desenvolver na condição de professor. “Depois do Sabiá 3, de dois em dois anos, nós participamos do projeto. E uma dificuldade era colher a experiência e passar como uma transferência de bastão. Eu me via aprendiz e professor na mesma moeda”, compartilha.
“Parece uma brincadeira de fazer carrinho. E é! Mas é uma brincadeira séria, pedagogicamente muito relevante”, conta. No Sabiá 4, foi também responsável pela condução do projeto com a supervisão do professor Jairo. Nos carros 5 e 6, já liderava a equipe como professor na Escola de Design da Uemg.
Na prática, os alunos viviam um projeto real e complexo lidando com a realidade dos prazos e aprendendo a cultivar relacionamento com parceiros e patrocinadores. Tendo como um dos maiores desafios enviar e trazer o carro do exterior. Por isso, o trabalho em equipe era fundamental. Tudo isso orientados pelo desafio de cumprir com responsabilidade os compromissos regulares do curso. “O professor Jairo sempre colocava o desafio: Não sejam reprovados nas disciplinas de vocês”, relembra Róber.
Os alunos tinham autonomia para desenvolver os carros a partir do briefing trazido por Jairo. “Tudo ali simulava a visão do Jairo. O foco era ganhar o Prêmio de Design”, relembra Arnaldo. O Sabiá precisava ser um carro que focasse na economia de combustível, seguir alguns critérios de aerodinâmica, ter tecnologia de tração e precisava funcionar.
Equipe Sabiá 3, Róber e Arnaldo são os 3° e 5° da esquerda para a direita. Foto: Arquivo Pessoal
Depois da linha de chegada
Róber conta que, na sua trajetória pessoal, participar do projeto consolidou a sua formação, sendo importante no desenvolvimento da sua autonomia. “Eu digo que a minha vida mais autônoma começou no primeiro Sabiá que eu participei. Depois foi um desdobramento da minha carreira”, conta. “Esse é o papel do Sabiá, formar profissionais. Eu sou um fruto disso”, conta o atual professor adjunto no curso de Design da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Participar das competições foi um aprendizado constante e intenso que o permitiu rever uma série de aspectos didáticos, técnicos e comportamentais envolvidos no processo. Ao final de 2008, despediu-se do projeto e partiu para a França, onde realizou o seu doutorado na Universidade Cergy-Pontoise em Direito e Ciências Políticas. Na tese, buscou compreender de que forma o conceito de carro, como conhecemos, é também uma mudança de paradigma.
Róber permanece trabalhando como mentor incentivando novos talentos, já tendo orientado cerca de 15 finalistas do concurso Volkswagen. “Os alunos estão trabalhando com a gente. Eles têm muito potencial. Cabe a mim entender o potencial e conduzi-los a um bom resultado”, compartilha.
Para além dos seus estudos em transportation design, política estratégica da mobilidade, materiais e desenvolvimento sustentável e ergonomia aplicada, Róber compartilha que foi convidado recentemente para integrar uma nova equipe que planeja participar da Shell Eco-marathon até 2026. “Estamos dialogando com a possibilidade de realizar um projeto conjunto com a Faculdade de Engenharia da UFJF”, adianta.
Róber Botelho. Foto: Arquivo Pessoal
Já Arnaldo, que participou do Sabiá 3, conta que quando teve contato com o processo completo, recebeu contribuições para a concepção até a montagem do carro. “Participar do Sabiá foi fundamental. Uma das atividades mais importantes que fiz na minha carreira. Era a mistura certa entre o acadêmico e o prático. Na época não tínhamos noção disso”, conta.
Eram aspectos que Arnaldo viu ampliados no contexto industrial. No final da sua graduação, participou do concurso Volkswagen. Entre 15 projetos, o seu foi selecionado entre 10 participantes. A próxima etapa, na fábrica da montadora, em São Bernardo, foi apresentar uma maquete no final daquele ano.
Seu projeto esteve entre os três finalistas para um estágio de um ano da Volkswagen. Em 2003, mudou-se para São Paulo e lá trabalhou por um ano. “Para quem gosta é o sonho. É o que existe para a área”, conta. No final do estágio, o seu trabalho foi convidado pela chefia alemã para mais um ano na Alemanha, de onde trabalha há 22 anos como designer de exterior, responsável pelo design do Touareg, Passat e T-Cross. Os participantes do projeto seguem voando.
Arnaldo Cruzeiro. Foto: Arquivo Pessoal