CSI brasileiro

Tatiana Nepomuceno - 30-05-2019
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Existem mais de sete bilhões de seres humanos na Terra. Apenas no Brasil, somos cerca de 209 milhões. Cada um deles, por mais que guardem semelhanças entre si, possuem características únicas: uma delas é a impressão digital e é ela a principal protagonista nas investigações criminais. A fim de aprimorar os métodos empregados nestas verificações e zelar pela saúde dos profissionais que trabalham diretamente com os compostos químicos hoje utilizados, a equipe da Polícia Federal de Minas Gerais (PF/MG) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG), desenvolveram aparelho óptico sem radiação ultravioleta (UV) e pó revelador à base da casca de uva totalmente atóxico, que auxiliam na identificação de digitais em cenas de crime, sem causar danos à saúde e mais econômicos financeiramente. 

De acordo com a papiloscopista da Polícia Federal mineira, Luciana Costa, o equipamento desenvolvido opera com o mesmo método do SceneScope RUVIS, ao usar a reflexão da luz para visualizar as impressões. Porém, não causa dano ao organismo e é mais econômico, visto que um típico aparelho óptico de investigação (hoje importado) pode custar até 130 mil dólares (cerca de R$500 mil). A pesquisadora da UFMG, Lívia Siman, conta, ainda, que os cientistas desenvolveram uma forma de acoplar tudo ao computador, o que inclui a máquina fotográfica: diferente da versão usada pela polícia, basta que se aperte um botão, para a captura e análise da imagem. “Tempo é uma ferramenta muito importante”, diz. Além de atender às expectativas, o novo protótipo conseguiu resultados preliminares sobre um dos desafios lançado pelos investigadores aos cientistas: identificar a digital em um cartucho de bala e é mais econômico por não ser importado. 

Já com relação à alternativa para substituir o pó preto, a tarefa dos pesquisadores era baratear e evitar a toxicidade do material utilizado. Usado no mundo inteiro, há mais de 100 anos, o pó preto, além de ser um produto importado, com alto custo, também é danoso à saúde e pode, inclusive, causar câncer de pulmão. Para se ter uma ideia, 30 gramas custam R$ 250. “Além disso, ele não apresenta fluorescências, e usa contraste. Ou seja, ele é escuro e é preciso aplicá-lo em superfície clara”, explica Luciana Costa. Para resolver todos estes impasses, a equipe da UFMG desenvolveu um pó da casca de uva atóxico. “Tínhamos que conseguir um material que luminecesce, e permanecesse agregado aos resíduos da digital”, lembra Luiz Cury, pesquisador da UFMG. Derivado da casca da uva, o pó é um antioxidante natural de baixo custo, que emite luz visível azul quando excitado em um comprimento de onda ultravioleta relativamente maior, que não faz mal à saúde humana. O produto pode ser usado em superfície de qualquer cor – inclusive, colorida –, onde o pó preto não teria efeito. 

A dobradinha entre estas duas tecnologias possibilitou a entrega de produto completo, após a descoberta do revelador. Os pesquisadores incorporaram, ao protótipo óptico, uma luz ultravioleta não nociva, igual às usadas no salão para secar unhas de gel, junto à luz azul já existente, de forma que os dois produtos pudessem trabalhar em conjunto. De acordo com Lívia Siman, o casamento do aparelho com a luz UV e o pó revelador permitiu identificar digitais em várias superfícies onde antes não era possível, como gabinetes de computador, superfícies em couro e canos.

Parceria que dá frutos

Ainda há muito a ser feito e a Polícia Federal mineira fez outros dois novos desafios aos cientistas. O primeiro é revelar digitais em papel moeda. Segundo Lívia, existe um equipamento alemão que faz isso, mas custa cerca de 1 milhão de dólares. “Neste caso a solução do problema envolverá estudos utilizando-se possivelmente uma iluminação na faixa do infravermelho e fazendo-se uso de estratégias em como eliminar a contribuição de emissões luminescentes provindas das tintas utilizadas na fabricação das notas”.

O segundo diz respeito ao desenvolvimento de software de reconhecimento facial, ou “um dispositivo para mapear as características da pessoa e montar um banco de dados”, informa. Tanto o aparato físico quanto o revelador químico mostraram-se superiores aos usados, atualmente, pela Polícia Federal. Segundo o papiloscopista da Polícia Federal mineira, Flávio Melo, isso dá aos investigadores maior capacidade de identificação de impressões digitais/papilares. Segundo Melo, o impacto do projeto vai além da solução de crimes. “O equipamento e a substância podem ser usados na identificação de corpos, como no caso de cadáveres que chegam ao IML em estado decomposição muito avançado, e na qual seria muito difícil a identificação por digitais”, finaliza. Eles também poderiam ser usados na identificação neonatal, ainda rara no Brasil. Segundo Flávio, isso poderia ajudar a solução de desaparecimentos, principalmente, nos casos de recém-nascidos.