De olho na doença de Chagas

Tuany Alves - 14-04-2021
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Foto: Cyro José

Hoje, 14 de abril, é celebrado o “Dia Mundial da Doença de Chagas”. A data foi incluída no calendário mundial da saúde em 2019 e foi comemorada oficialmente, pela primeira vez, no ano passado. A celebração visa alertar para a importância da conscientização sobre o combate à doença que é um problema de saúde global, inclusive, sendo endêmica nos países da América Latina.

A doença de Chagas, ou tripanossomíase americana, tem sido chamada de “doença silenciosa e silenciada”, não apenas devido seu curso clínico lento e, frequentemente, assintomático, mas também por afetar, principalmente, pessoas pobres que não têm acesso aos serviços de saúde. Ela é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMSuma das doenças mais negligenciadas em todo o mundo.  

Para a tecnologista do grupo de pesquisa Triatomíneos do Instituto de Pesquisa René Rachou (IRR) – Fiocruz Minas, Raquel Aparecida Ferreira, tudo isso reafirma a importância de não apenas falar e instruir sobre a doença, mas criar debates possibilitando uma conscientização. “Isso é essencial para a melhora das taxas de tratamento e cura precoces, juntamente com a interrupção de sua transmissão”, destaca.

Ferreira coordena a pesquisa Reestruturação da vigilância com participação da população no quadro atual da epidemiologia e controle da doença de Chagas em Minas Gerais. O estudo, que conta com o apoio financeiro da FAPEMIG, propõe a reestruturação da vigilância passiva da doença de Chagas em Minas Gerais, por meio dos Postos de Informação de Triatomíneos (PITs).  

Segundo Raquel Ferreira, a pesquisa parte do levantamento realizado em área de alto risco de reinfestação de triatomíneos do Estado. “Ou seja, de 124 municípios pertencentes às Gerências Regionais de Saúde (GRSs) de Unaí, Januária, Pirapora, Pedra Azul e à Superintendência Regional de Saúde de Montes Claros”, informa.

A ideia é que o estudo contribua no levantamento de informações e compreensão dos entraves existentes na vigilância passiva da doença e, consequentemente, nas ações de controle do vetor em Minas Gerais. Segundo a coordenadora, esse conhecimento proporcionará subsídios para a elaboração de metodologias eficientes e assertivas de reestruturação da vigilância passiva por meio da reativação e manutenção dos PITs no estado “ajudando a revitalizar e sanar esta lacuna do Sistema Único de Saúde (SUS)”. 

PARTICIPAÇÃO POPULAR

A ideia de desenvolver o estudo surgiu a partir da vivência profissional da coordenadora do projeto. Segundo Ferreira, ela tem trabalhado em projetos relacionados à vigilância da doença em Minas Gerais e já havia identificado indícios de que esse método necessita de uma reestruturação no nosso Estado. “Há muitos Postos de Informação de Triatomíneos (PITs) desativados ou que não são conhecidos pela população, o que é extremamente preocupante”, conta.

A pesquisadora explica que, atualmente, um dos pilares da vigilância entomológica da doença de Chagas no Brasil é essa vigilância passiva da doença, que dá suporte ao controle vetorial, tendo como base a participação da população na detecção, encaminhamento e notificação de insetos suspeitos. “A ineficiência dessa vigilância expõe a população ao risco de novos focos de transmissão da doença no Estado”, informa. 

Nesse sentindo, o estudo desenvolvido pelo grupo visa construir um panorama histórico, espacial e situacional dos PITs mineiros. Os pesquisadores também tentarão compreender os desafios relacionados ao processo de manutenção desses postos.

 Segundo Ferreira, a partir desse estudo, será proposto e entregue à Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) um protocolo metodológico contendo procedimentos de orientação de reativação e manutenção dos PITs. “Esse protocolo apresentará diretrizes norteadoras que, respeitando as especificidades de cada macrorregional de saúde, poderá ser empregado em todo o Estado”, destaca. 

O geógrafo da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG), Gustavo Libério de Paulo, que também integra o projeto, destaca que o protocolo poderá funcionar como um modelo piloto para o Brasil. “Podendo ser ampliado e, possivelmente, usado em outros estados”, conta.

MÉTODOS

A pesquisa teve início recentemente, mas já foram realizadas reuniões virtuais com os gestores das quatro Gerências Regionais de Saúde da área de estudo: Unaí, Pirapora, Januária e Pedra Azul. O grupo também já se reuniu de forma virtual com os gestores da Superintendência Regional de Saúde de Montes Claros, assim como com todos os coordenadores de endemias dos 124 municípios participantes do estudo. 

Segundo Raquel Ferreira, além das reuniões, serão empregados arranjos multimedodológicos como análise documental, espacial e geoprocessamento. “Também teremos questionários direcionados à população dos 124 municípios da área de estudo, questionários destinados aos agentes de combate a endemias (ACEs) e colaboradores voluntários dos PITs, assim como grupos focais envolvendo os coordenadores de endemias dos municípios”, informa.

Além da coordenadora Raquel Ferreira e do geografo Gustavo Libério, também integram a equipe as pesquisadoras Maria Nogueira, da Escola de Saúde Pública de Minas Gerais (ESP/MG),  Stefânia Gazzinelli, referência técnica das ações de controle da doença de Chagas da SES-MG, e as pesquisadoras do IRR Liléia Diotaiuti, Janice Souza, Rita Souza e Silvia Barbosa e a bolsista Valéria Amaral.

DESAFIOS DA DOENÇA DE CHAGAS

Há mais de 100 anos, no ano de 1909, o médico sanitarista e pesquisador mineiro Carlos Chagas fazia, na pequena cidade mineira de Lassance, o primeiro diagnóstico de um caso humano da tripanossomíase americana, doença que ficaria conhecida como a ‘doença de Chagas’. Na época, o pesquisador havia sido enviado ao povoado para coordenar uma campanha antimalárica e foi alertado sobre a coincidência de sintomas peculiares e a presença de um inseto nas casas de barro e madeira da região. 

Com isso, seu trabalho de dois anos, em um pequeno laboratório instalado em um vagão de trem, tomou um novo rumo. Ao examinar o inseto, encontrou em seu intestino uma nova espécie de protozoário flagelado, que mais tarde chamou de Trypanosoma cruzi. Chagas orquestrou um excepcional discurso de descoberta, contemplando a biologia do parasita, seu ciclo de vida e seu modo de transmissão. Além disso, produziu uma descrição clínica da nova doença. 

Segundo Raquel Ferreira, após a descoberta da doença por Chagas, muitos trabalhos, abrangendo diferentes áreas, foram conduzidos, permitindo a construção de uma vasta fonte de informações sobre a doença em setores como etiologia, epidemiologia, clínica e diagnóstico. “Entretanto, passados mais de 100 anos de sua descoberta, muitos aspectos relacionados à doença ainda carecem de esclarecimentos”, ressalta. 

Um dos grandes desafios é a ausência de progresso na compreensão da etiopatogenia da doença, ou seja, dos mecanismos pelos quais o parasito lesa o organismo da pessoa. Também há carência de dados sobre o melhoramento e desenvolvimento de medicamentos contra a doença, assim como o desenvolvimento de técnicas ou provas sorológicas mais confiáveis para tratá-la. “Além disso, o desenvolvimento de uma vacina contra a doença ainda é considerado algo incipiente”, informa a pesquisadora.