Pesquisa investiga papel da castanha-do-brasil para melhorar a qualidade nutricional do leite materno

Tuany Alves - 07-05-2021
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Com uma polpa branca e saborosa, revestida por uma casca fina e brilhante a Bertholletia excelsa - conhecida por castanha-do-brasil ou castanha-do-pará - provém de uma das maiores árvores da floresta amazônica. Para se ter uma ideia, a castanheira atinge entre 30 e 45 metros de altura. Sua semente tem um alto valor proteico e calórico sendo, inclusive, indicada para pessoas hipertensas, obesas e grávidas.

A técnica de nível superior e pediatra no departamento de Medicina e Enfermagem da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Denise Rodrigues, realizou estudo para verificar o efeito da ingestão da castanha-do-brasil no leite materno. A ideia do projeto, que contou com o apoio da FAPEMIG, era buscar uma forma de melhorar o conteúdo nutricional do leite humano. 

Segundo a pesquisadora, a alimentação da mãe é um dos fatores que interfere na qualidade nutricional do leite. “A castanha é muito rica em lipídios e a maior parte da formação do nosso cérebro, a massa encefálica, é de lipídio. Dessa forma, pensamos na possibilidade de dar a castanha para as mães e ver o que acontecia com o seu leite”, conta.

A escolha pela castanha se deu de uma forma natural, uma vez que a equipe necessitava de um alimento de fácil conservação. “Na verdade, dei sorte por ela ser um produto nacional e demandar uma dose muito pequena. As pessoas questionaram que a castanha é muito cara. Realmente é, se pensarmos em quilos. Porém, a dose que as mães precisam usar é muito pequena”, informa.

A pesquisadora conta que o estudo é o primeiro no mundo a verificar o efeito de castanhas no leite materno e que já obteve alguns resultados interessantes, como a possibilidade da conservação de massa magra. “Sabemos que, no pós-parto, todas as mães perdem peso. Elas têm um excesso de gordura que é essencial para a gravidez e para que ela possa amamentar. As mães que ingeriram a castanha perderam mais peso, mas conservaram melhor a massa magra. Ou seja, houve uma mudança corporal durante o uso das castanhas. Não conseguimos inferir o porquê, mas foi muito interessante, pois foi como se a castanha tivesse um efeito protetor na musculatura”, lembra.

A pesquisa também verificou o aumento do selênio no organismo das mães. Segundo Denise, nos exames químicos, a quantidade praticamente triplicou nas duas semana de uso do alimento. Ela destaca, porém, que é preciso ter cuidado com a dose diária da castanha, uma vez que o selênio também pode ser tóxico. “Devemos sempre tomar o cuidado de não ingerir mais do que três castanhas por dia”, alerta.   

Além das mudanças no organismo das mães, o estudo verificou mudanças também nos bebês. Por exemplo, o período em que as mulheres consumiram as castanhas foi quando eles tiveram o melhor crescimento, ou seja, o comprimento foi estatisticamente diferente. “Isso é importante porque, na avaliação nutricional de uma criança, o peso vária muito, mas o comprimento não – ou você ganha ou você para de crescer”, conta.

Buscando soluções
O estudo surgiu a partir de uma demanda da Rede Brasileira de Banco de Leites da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Segundo Denise, o principal público do banco, que recolhe e pasteuriza o leite materno, são as crianças prematuras. “Os estudos mostram que o bebê alimentado com o leite materno ganha em várias questões. Tem menos infecção, menos tempo de internação, quando comparamos com o neném que é tratado com fórmula. Porém, em termos nutricionais, o leite armazenado em bancos perde, pela necessidade de pasteurização. É algo que estamos tentando melhorar”.

Para isso, o grupo fez um ensaio clínico onde captaram amostra de mães que deveriam alimentar seus bebês somente com leite materno, diretamente na maternidade, logo no dia do nascimento. Outros critérios foram utilizados: o bebê não podia ser prematuro ou ter alguma doença, as mães não podiam estar usando nenhum medicamento etc. “Essa amostra foi bem fechada para não termos nenhuma interferência”, conta. 

O desenho da pesquisa foi baseado na ingestão da castanha por parte das mães durante duas semanas. "As mães comiam castanhas durante 15 dias e comparávamos os exames de antes e depois. Nesse período, os bebês também eram avaliados, porém só do ponto de vista clinico (peso e medida). Depois, as mulheres passaram por um período sem ingerir a castanha para eliminar seu efeito e os exames eram repetidos”.

Denise destaca, ainda, que a alimentação das mães foi toda controlada nesse período, tendo inclusive um registro alimentar. “A ideia era ver se elas eram um grupo homogêneo de registro calórico, pois se, por exemplo, tivéssemos um grupo com uma alimentação hipercalórico, isso poderia estar interferindo no leite”, informa. As amostras de leite materno passaram por todo o processo de pasteurização e protocolos do banco de leite e, na sequência, todos os seus elementos bioquímicos eram analisados, comparando com e sem a ingestão da castanha”. 

Rede de mulheres

O estudo foi finalizado e, atualmente, o grupo busca fechar a análise de selênio no leite coletado, uma vez que não foi possível durante a primeira análise. Denise diz que também gostaria de testar, no futuro, a castanha com as mães doadoras do banco de leite, realizando uma pesquisa maior. 

Ela lembra que nada poderia ter sido feito sem o apoio das mulheres, mães, participantes. Segundo a pesquisadora, apesar da coleta ter durado por volta de 90 dias, ela acompanhou os bebês durante um ano. “Foi o retorno que pude dar a elas, que iam ao meu escritório para realizar os cuidados. Isso foi muito bacana, ninguém desistiu no meio do caminho! Esse é um medo dos pesquisadores quando trabalham com pessoas e eu fiquei muito grata porque conseguimos fechar”, destaca.

A pesquisadora conta, ainda, que essa parceria também ajudou em outros estudos, uma vez que o leite coletado foi usado em outras pesquisas. “Por exemplo, tive uma colega que verificou a pasteurização desse leite, ela quis saber o que poderia ser feito para que ele não perdesse tantas calorias”, informa.   

Não existe leite fraco!
Segundo Denise Rodrigues, o leite materno é um reflexo da alimentação da mãe. Se ela tem uma alimentação saudável, não muito rica em açúcar e no limite dos carboidratos e proteínas, o leite será um reflexo disso. Mas já existem estudos mostrando que o leite de mães desnutridas, em países pobres, por exemplo, tem uma constituição adequada para o seu bebê, uma vez que o corpo visa preservar a espécie. “A natureza é sábia. É uma questão de seleção natural, então não importa as condições da mãe, o bebê é preservado. A alimentação interfere? Sim. Porém, é importante destacar que não existe leite fraco”. 


Dica! O projeto Minas Faz Ciência publicou a série Ondas da Ciência - Trajetórias da Parentalidade. O quarto episódio da temporada trouxe um debate sobre amamentação e nutrição com a participação de Maria Cristina Passos, professora do Departamento de Nutrição Clínica e Social da Ufop, e de Luana Caroline dos Santos, professora do Curso de Nutrição e dos Programas de Pós-Graduação em Nutrição e Saúde e Ciências da Saúde da UFMG. Escute aqui.