Diferenças de fuso horário podem interferir no desempenho dos atletas

Júlia Rodrigues - 17-11-2022
5624

No próximo domingo, dia 20, iniciam-se os jogos oficiais da Copa do Mundo de Futebol no Catar. O país localizado na Ásia Ocidental apresenta um fuso horário que corresponde a seis horas a mais de diferença do brasileiro. Será que esse fuso horário interfere no rendimento dos atletas em campo? Essa é uma das questões que direcionam as pesquisas do professor do Departamento de Esportes da Faculdade de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EFFTO) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Marco Tulio de Mello, especialista na área do Sono, Distúrbios do sono, Fisiologia do Esforço e Treinamento Desportivo.

Mello desenvolveu pesquisas para compreender tais efeitos com base nas rotinas de atletas do comitê olímpico, paraolímpico e equipes de futebol para as Olimpíadas do Rio de Janeiro (2016) e, posteriormente, para as Olimpíadas do Japão (2021). Observa-se que em viagens entre lugares com mais de três horas de diferença no fuso horário, ocorre uma condição temporária chamada jet lag. O passageiro passa por uma adaptação difícil, podendo sentir sonolência, fadiga e diminuição das funções cognitivas. Isso porque a nossa compreensão de “hora de dormir” ou “hora de acordar” é apreendida por uma parte do nosso cérebro chamado núcleo supraquiasmático e está relacionada à luminosidade do local em que estamos.

Em longas viagens, nosso corpo segue “obedecendo” aos horários em que o sol se põe e nasce de acordo com o local de origem. "Em geral, o que é dito é que as pessoas demoram um dia (para adaptar-se) para cada fuso atravessado. Se eu for daqui até o Japão, por exemplo, são 12 horas de fuso. Na teoria, demorarei 12 dias para me adaptar", explica o pesquisador, que também é diretor técnico dos centros de Estudos em Psicobiologia e Exercício (CEPE) e o Multidisciplinar em Sonolência e Acidentes (CEMSA).

De acordo com Mello, antecipar a adaptação ao novo fuso horário levando em conta o perfil de sono de cada jogador é uma forma de mitigar o jet lag. “O que devemos fazer quando um atleta irá viajar é não esperar que ele se adapte ao claro e ao escuro do local. Eu tenho que antecipá-la, tornando-a mais rápida para que ele não tenha perda de força ou de testosterona no dia da competição”, elucida.

Efeitos da privação de sono
Apesar do que muito se acredita, a quantidade de horas necessárias de sono não necessariamente são oito por noite. Na verdade, isso depende do perfil de cada pessoa. O professor esclarece que 70% da população brasileira tem um boa noite de sono dormindo 7h40 por noite. Há quem necessite de menos que 6h30 - a chamada população curta dormidora, correspondente a cerca de 15% dos brasileiros. Outros 15% são pessoas que precisam de mais de 9h30 de sono por noite. Estas são chamadas de longos dormidoras.

Em uma pesquisa realizada em 2016, com o apoio da FAPEMIG, foram feitos testes com 32 não atletas do sexo masculino com idade entre 18 e 59 anos, privados de sono por 36 horas. Foi notado um impacto negativo no desempenho psicomotor e nos aspectos comportamentais dos indivíduos como redução na potência aeróbica, ou seja, na capacidade de desenvolver atividade física ao longo do tempo sem dificuldades para se recuperar. Estes efeitos também podem ser apresentados por pessoas que permanecem muito tempo acordadas como é o caso de trabalhadores noturnos, estudantes e atletas que viajam em competições internacionais.

- Confira o Pitch do projeto l PITCH FAPEMIG Projeto APQ 01133 16 - YouTube

Em outras pesquisas, concluiu-se que diante da redução de três horas de sono por noite durante uma semana ocorre uma queda de 10% a 15% na testosterona no organismo. “Nossos estudos têm demonstrado que essas pessoas - médicos, trabalhadores por turno, bombeiros, todos que trabalham à noite ou trabalham a cada dia em um horário - acabam tendo uma perda de força muscular muito grande devido à queda na testosterona, como também a perda de músculo. O exercício físico não reverte essa situação, apenas minimiza”, conta Marco Mello. Essa perda muscular afeta o metabolismo, o que dificulta, por exemplo, a perda de peso.

Noites mal dormidas também podem afetar a memória e o aprendizado. O pesquisador explica que o sono é dividido em duas fases: o sono REM e o sono não REM. A expressão REM é abreviatura de Rapid Eye Movement (movimento rápido dos olhos). Segundo Mello, o sono REM corresponde de 15% a 20% do tempo total das noites de sono. “É muito importante porque, durante esse período, você desliga a musculatura, fica inerte, a frequência cardíaca aumenta, assim como a pressão arterial e a atividade cerebral. É nesta fase, inclusive, que a memória é consolidada, ‘salvando ou descartando’ lembranças”, adiciona.

A segunda fase do sono, chamada de sono não REM, é subdividida em três etapas e caracterizada pela não movimentação dos olhos. Durante a terceira subetapa, chamada de sono delta, sono profundo ou N3, ocorre a recuperação física e tecidual do corpo, e é liberado no organismo o hormônio do crescimento (GH).