A alta velocidade de disseminação do novo coronavírus e a situação de colapso ou iminência de colapso de sistemas de saúde, no Brasil e em muitos outros países, tornam urgente o desenvolvimento de um processo computadorizado de auxílio a diagnóstico (computer-aided diagnosis, CAD). Os sintomas mais severos da Covid-19 são detectados, sobretudo, por meio de radiografias torácicas e tomografias computadorizadas.
Com isso em mente, um grupo liderado por pesquisadores do Departamento de Ciência da Computação (DCC) da UFMG trabalha em projeto que visa oferecer um sistema on-line capaz de centralizar os dados de raio-x e tomografias de pacientes diagnosticados com a Covid-19 ou com sintomas da infecção. O objetivo é que pesquisadores e profissionais de saúde acrescentem imagens a um repositório e recebam relatórios com propriedades extraídas dessas imagens, que vão apoiar o diagnóstico de doenças pulmonares.
A iniciativa, que é desdobramento de estudos em andamento no laboratório Patreo, do DCC-UFMG, com resultados consolidados, vai durar um ano e contar com R$108.240,00 da Fundação de Apoio à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG). O projeto é um dos dez da UFMG selecionados pela FAPEMIG entre 197 candidatos a suporte emergencial para enfrentamento da pandemia. A Fundação destinou R$1,98 milhão para 19 projetos de instituições de pesquisa do estado.
Segundo o professor Jefersson Alex dos Santos, do DCC, a nova ferramenta é baseada em avanços do trabalho de doutorado de Hugo de Oliveira Neves. “Publicamos recentemente um método chamado CoDAGANs para segmentação de imagens médicas. Ele possibilita reaproveitar o conhecimento de várias fontes de dados radiológicos, propiciando que exames realizados em condições diferentes sejam analisados com o mesmo grau de eficácia”, explica.
A segmentação acurada dos pulmões em raios-x torácicos está entre os principais resultados desse trabalho, afirma Jefersson dos Santos. “Essa etapa realizada pelas CoDAGANs é o principal pré-processamento utilizado no auxílio à detecção por meio de radiologia de doenças pulmonares, servindo de ponto de partida para o projeto CAD-Covid-19.”
Ainda de acordo com o professor do DCC, o sistema não vai exigir habilidade específica do usuário, uma vez que a ferramenta será desenvolvida justamente para o uso de especialistas. “Vamos interagir com potenciais usuários para elaborar a interface de modo que o uso seja o mais intuitivo possível. E, na medida em que avançarmos, vamos buscar novos parceiros para auxiliar no aperfeiçoamento da ferramenta”, comenta Santos, acrescentando que, nessa parte do trabalho, será fundamental a participação do pesquisador Claudio Saliba de Avelar, vinculado ao Hospital das Clínicas da UFMG e ao Instituto Pardini.
Jefersson dos Santos ressalta ainda que a ferramenta será economicamente viável e vai ajudar tanto na detecção da Covid-19 quanto em pesquisas focadas em informática médica direcionada ao auxílio computadorizado ao diagnóstico de doenças. Ele lembra que o raio-x de tórax é um exame menos preciso, mas consideravelmente mais barato e disponível mesmo em centros de saúde com infraestrutura mais precária.
Além disso, libera carga radioativa menor para o paciente. “Trata-se, portanto, de solução eficiente, passível de utilização em grande escala e mais acessível que métodos para detecção de males respiratórios que usam tomografias”, explica o professor, adicionando que a ferramenta servirá bem à condução de testes rápidos para o novo coronavírus.
O método CoDAGANs foi capaz de generalizar para diferentes equipamentos, modernos e antigos. O sistema que o grupo coordenado no DCC pretende entregar vai fornecer interface para o CoDAGANs e os mapas de segmentação de todas as imagens existentes no repositório. “A segmentação é um passo essencial para que as propriedades extraídas das imagens médicas representem exclusivamente as regiões de interesse”, salienta Jefersson dos Santos.
De acordo com o professor, a área de reconhecimento de padrões teve, na última década, um dos períodos de aperfeiçoamento mais significativos em sua história, alavancados pelo ressurgimento das redes neurais artificiais. Esses avanços possibilitaram e viabilizaram, por exemplo, os carros autônomos, os assistentes pessoais em smartphones que interagem por meio de linguagem natural e a seleção personalizada de conteúdo em redes sociais.
“A grande limitação dessas tecnologias é que elas demandam, para aprendizado dos padrões, enormes quantidades de dados rotulados manualmente por seres humanos”, explica Santos. “Esse volume extraordinário é especialmente impeditivo em áreas como o sensoriamento remoto e as imagens médicas, nas quais apenas especialistas altamente treinados podem rotular as amostras. O aprendizado de máquina não supervisionado, por sua vez, reduz a quantidade de dados anotados ao aprender os padrões necessários para realizar certa tarefa sem intervenção humana ou com mínima intervenção.”
As primeiras etapas do projeto do DCC apoiado pela FAPEMIG são a adaptação de modelos já desenvolvidos e a implementação do repositório on-line, que durarão seis meses. A partir do terceiro mês e até o final do prazo de um ano, o grupo vai lidar com submissão de amostras, desenvolvimento e manutenção do sistema on-line, testes, atualização e ajustes dos modelos para novas amostras e testes com novas doenças pulmonares.
Além de Jefersson dos Santos, Claudio Saliba e Hugo Neves, compõem a equipe os professores Heitor Soares, também do DCC, Alexei Machado, do curso de Radiologia da Faculdade de Medicina, e Virgínia Mota, do Colégio Técnico da UFMG, e a doutoranda do DCC Camila Laranjeira da Silva. O projeto prevê a contratação de mais um bolsista de doutorado, dois de mestrado e um de graduação.
Texto publicado originalmente no site UFMG