Financiamento público impulsiona jornada das deep techs

Júlia Rodrigues - 14-11-2024
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Com apoio da FAPEMIG, pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico transformam-se em soluções para desafios globais 

Atualizada em 14/11/2024, às 17:08

Baseadas em avanços científicos, as deep techs ou hard techs são startups – empresas emergentes com propostas inovadoras e escaláveis - baseadas em pesquisa científica e em desenvolvimento tecnológico. Este termo nasce para diferenciá-las das shallow techs, que criam soluções a partir da aplicação e melhorias em tecnologias já existentes. As deep techs lidam com inúmeros desafios para se estabelecerem, como a captação de investimentos e o apoio aos novos talentos.

As deep techs são potenciais transformadoras e agentes de desenvolvimento. Isso porque seus objetivos estão alinhados com a solução de grandes desafios globais, promovendo a garantia de acesso à alimentação, saúde e energia limpa; o enfrentamento do aquecimento global e mudanças climáticas; soluções para o reflorestamento; fontes de recursos e materiais sustentáveis e as implicações éticas do desenvolvimento da inteligência artificial.

Segundo o Relatório Deep Tech Brasil 2024, que analisou 875 deep techs brasileiras, a maioria (70%) recebeu mais de R$ 5 milhões de investimentos públicos. O levantamento, realizado pela consultoria Emerge, em parceria com o Cubo do Itaú e a divisão da Sociedade Americana de Química, a Chemical Abstracts Service (CAS), indica que a combinação com investimento público não reembolsável é uma estratégia necessária para grande parte das startups, dado o risco associado ao desenvolvimento tecnológico das deep techs

Carlos Arruda, presidente da FAPEMIG e professor na área de Inovação e Competitividade, explica que muitas das ideias que dão origem às deep techs nascem nas universidades, no âmbito de pesquisas de mestrado ou doutorado. A partir daí, evoluem para o desenvolvimento de alguma solução e depois se tornam em produto ou serviço. 

“Por isso, investir nessa cadeia de valor é essencial quando planejamos desenvolvimento baseado em conhecimento. Nos últimos anos, especialmente, temos investido em diversas ações com esse foco, na expectativa de criar condições e incrementar, cada vez mais, o empreendedorismo e a inovação”, conta o também professor associado da Fundação Dom Cabral.

Investimento público

Arruda explica que o primeiro desafio enfrentado pelas deep techs é identificar adversidades enfrentadas no estado, na sociedade, no país e no mundo que sejam objeto de pesquisa. Após essa identificação, parte-se em busca de uma solução.

“Nós estamos vivendo um mundo de mudanças climáticas. Isso traz um universo de desafios, seja de melhor entendimento das mudanças do clima, seja de como reduzir a emissão de carbono, seja de como capturar carbono. Então, a pauta mudanças climáticas traz no seu bojo uma série de desafios tecnológicos que precisam ser desenvolvidos”, exemplifica.

Para isso, a FAPEMIG apoia há quase 40 anos pesquisas nas áreas de pesquisa de maior impacto social. Como exemplo, ele cita a iniciativa nascida no Departamento de Física do Instituto de Ciências Exatas (Icex) da UFMG, que foi uma das startups mencionadas, este ano, na lista de empresas mais promissoras do cenário de inovação brasileiro - 100 Startups To Watch pela Pequenas Empresas & Grandes Negócios: a FabNS (Fábrica de Nanossoluções).

Sediada no Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-TEC), a deep tech é responsável pelo desenvolvimento de um nanoscópio com aplicações em estudos sobre grafeno – um supercondutor utilizado pela indústria automobilística e de eletrônicos e em processos de dessalização da água. O instrumento científico nomeado “Porto” foi exportado para a Universidade de Humbold, na Alemanha, em 2023. Ele foi patenteado pelo Inmetro e UFMG e está licenciado à FabNS. 

Visão de dentro do nanoscópio Porto (foco na cabeça de varredura) - Arquivo FabNS

De acordo com o Diretor Comercial da FabNS, Taiguara Tupinambás, a principal meta para o futuro próximo é a consolidação do equipamento no mercado, através da instalação das primeiras unidades no Brasil. Para ele, uma etapa crucial, que vai alavancar todo o desenvolvimento futuro da empresa. 

“Por isso, fundações como a FAPEMIG são muito importantes para nós, no lançamento de editais que permitem com que a infraestrutura de pesquisa do Estado possa ser robustecida com equipamentos nacionais de ponta como os da FabNS, colocando a pesquisa mineira em um patamar de fronteira”, diz. 

O diretor conta que, uma vez consolidados, a meta da FabNS é desenvolver novas soluções tecnológicas e internacionalizar, exportando tecnologia para a Europa, China e EUA. A intenção é, ainda, expandir as operações no Estado, construindo uma planta fabril para a produção.

“Nem todo mundo tem a motivação para empreender, nem todo produto ou conhecimento vai virar produto ou tecnologia, mas faz parte da agenda da FAPEMIG apoiar o maior número possível de projetos, na expectativa de surgir novas FabNS”, comenta Carlos Arruda.  

Estabelecer parcerias
Ainda de acordo com o Relatório Deep Tech Brasil 2024, para alavancar o número de startups brasileiras com potencial global, é preciso estabelecer parcerias entre universidades, centros de pesquisa, indústria e investidores. “Ao longo dessa jornada de desenvolvimento, um elemento fundamental, que a FAPEMIG, nos últimos anos, vem buscando contribuir, é trazer para esta conversa não só as instituições de ciência e tecnologia, mas também as empresas de todos os tamanhos”, conta Carlos Arruda. 

Atualmente, a FAPEMIG apoia a FabNS tanto do lado da oferta, através de chamadas de subvenção, quando do lado da demanda, através de chamadas de expansão e consolidação da infraestrutura laboratorial de Minas. Uma das iniciativas é a chamada Compete Minas – Linha Tríplice Hélice, lançada em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico (Sede).

Lançada pela primeira vez em 2012, a iniciativa destinou, naquele ano, R$ 50 milhões para projetos de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação propostos por Instituições de Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (ICTMG), em parceria com empresas, startups ou cooperativas mineiras, para o desenvolvimento de produtos (bens ou serviços) e/ou processos inovadores. A essa, já se seguiram três rodadas da chamada com o mesmo objetivo, injetando valores expressivos em projetos com essas características. 

Investimento em talentos 
Outra ação com foco no estímulo à inovação é o projeto Vivência Universitária em Empreendedorismo e Inovação (VUEI), parceria entre a FAPEMIG e Sede MG. Criado com o objetivo de ampliar o ecossistema de empreendedorismo e inovação nas instituições de ensino superior do Estado, busca promover uma conexão rica entre o ambiente acadêmico e o mercado.

“Foi um divisor de águas na minha formação como empreendedora”, conta Líria Souza Silva, CEO da Chimera Biotecnologia, spin-off acadêmica da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). A empresa é especializada no desenvolvimento de soluções biotecnológicas avançadas para o diagnóstico de doenças raras, infecciosas, emergentes, reemergentes e negligenciadas. 

Líria Souza Silva, CEO da Chimera Diagnósticos, durante o Demo Day GrowBio organizado pela Biominas Brasil e Sebrar, em agosto de 2024. Fonte: Acervo Biominas Brasil


Líria conta que, durante o programa, foi contemplada com uma bolsa da FAPEMIG, para que pudesse se dedicar ao desenvolvimento de soluções inovadoras e aplicáveis, fortalecendo sua autonomia e visão de negócios. “A partir desse programa, desenvolvi habilidades que me capacitaram para liderar uma deep tech e assumir a posição de CEO, com a responsabilidade de direcionar a empresa para inovações no setor de diagnósticos de alta tecnologia”, conta.

A Chimera Biotecnologia tem o foco em desenvolvimento de proteínas recombinantes sob demanda, uma tecnologia que proporciona alta sensibilidade e especificidade, superando as limitações dos métodos tradicionais e diagnósticos mais precisos e confiáveis. Na escala que mede o nível de maturidade de uma tecnologia a Technology Readiness Level (TRL), a tecnologia está em fase de desenvolvimento experimental (4) quando passa por testes em escala de laboratório.

“Nosso objetivo é expandir o portfólio, obter certificações regulatórias e consolidar nossa posição como referência em biotecnologia diagnóstica”, almeja. Não é a primeira vez que Líria está à frente de um empreendimento inovador. Durante a sua segunda graduação, em Farmácia, pela Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ) teve seu primeiro contato com o empreendedorismo científico. "Identifiquei a necessidade de um teste acessível e eficiente para o Papilomavírus Humano (HPV), o que levou à criação da minha primeira startup, a Lavigne HPV Solutions”, conta Silva.  

Cientista Empreendedor 
A FAPEMIG segue apoiando talentos. Até o dia 14 de janeiro de 2025 a Chamada SEDE/FAPEMIG 015/2024 - Cientista Empreendedor recebe propostas via Sistema Everest. A iniciativa visa proporcionar aos cientistas a oportunidade de se dedicarem a projetos empreendedores, viabilizando bolsas e o acesso a ambientes promotores de inovação. 

Saiba mais em Governo de Minas lança chamada de R$10 milhões para transformar pesquisas em empreendimentos inovadores


Glossário 

Spin-off - Um produto, empreendimento ou empresa que surge a partir de uma organização já estabelecida.

Startup - Empresas emergentes com propostas inovadoras e escaláveis. 

Deep techs Startups baseadas em pesquisa científica e em desenvolvimento tecnológico. 

Shallow techs – Empresas que criam soluções a partir da aplicação e melhorias em tecnologias já existentes.