Pesquisadoras mineiras destacam-se entre as sete vencedoras do Prêmio L'Oréal-ABC-Unesco para Mulheres na Ciência 2024. A bióloga especialista em genética, Fernanda Rodrigues Soares da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) e a médica especialista em saúde pública, Luisa Campos Caldeira Brant da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foram vencedoras na categoria Ciências da Vida no prêmio internacional que promove e reconhece a participação da mulher na ciência. A cerimônia de premiação ocorreu no dia 27 de novembro, no Rio de Janeiro.
Pesquisadoras mineiras vencedoras do prêmio Prêmio L'Oréal-ABC-Unesco para Mulheres na Ciência 2024. Da direita para a esquerda Luisa Campos Caldeira Brant e Fernanda Rodrigues Soares. Creditos: Luis Madaleno
O programa promovido pela L’Oréal Brasil em parceria com a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Unesco no Brasil acontece anualmente e premia, com bolsas de R$ 50 mil, sete pesquisadoras nas áreas de Ciências da Vida, Ciências Físicas, Química e Matemática. As participantes inscrevem seus projetos que são avaliadas pela qualidade científica, impacto, potencial de sucesso e aplicabilidade. Pesquisas prévias desenvolvidas pela candidata também são considerados pelo programa global que contempla 110 países por meio de iniciativas regionais e nacionais.
“É um imenso reconhecimento após tantos anos de estudo e dedicação, estou muito feliz e muito grata pela oportunidade”, agradece Fernanda Soares (UFTM). A pesquisadora que escolheu a carreira ainda na adolescência ao encantar-se durante uma aula de genética explica que o prêmio é um marco extremamente importante na sua carreira. “Com o prêmio estou segura de que aumentará muito a visibilidade da minha linha de pesquisa, de meu grupo e da UFTM”, comemora.
Resultados para brasileiros
Hoje, a pesquisa premiada a ser desenvolvida por Soares e que também conta com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) dará passos importantes para a medicina de precisão, uma abordagem que considera características individuais para personalizar o tratamento e a prevenção de doenças. “No Brasil temos a medicina de precisão implementada em alguns locais, especialmente na área de oncologia. No entanto, ainda precisamos gerar mais estudos com nossa população para validar os testes de populações europeias e, se for o caso, adaptá-los para a nossa realidade”, explica Soares.
A pesquisadora pretende validar no Brasil um teste genético já conhecido e validado na Europa e Estados Unidos para o tratamento de pacientes que passaram por angioplastia - procedimento médico utilizado para aumentar o fluxo de sangue para o coração desobstruindo artérias estreitadas ou bloqueadas com ajuda de um pequeno tubo expansivo chamado stent.
“Pessoas que realizam angioplastia, em geral, fazem o tratamento pós-procedimento com o [medicamento] clopidogrel para prevenir a formação de trombos no local do stent. No entanto, cerca de 30% desses indivíduos apresentam falha neste tratamento e acabam sofrendo eventos cardiovasculares que podem inclusive levar a óbito", explica Soares. O teste a ser validado pertente ser mais preciso na identificação de uma possível tendência a apresentar falha.
Para isso a equipe liderada por Soares investiga variantes genéticas específicas da população brasileira que expliquem por que tais pacientes apresentam essa falha, com o objetivo de produzir um painel adequado para realizar este teste na população brasileira. “Como realizaremos os genomas destes pacientes, será a primeira vez que teremos este tipo de dados na nossa população. Esperamos encontrar variantes específicas da nossa população que nos ajude a explicar o motivo da falha do tratamento”, almeja.
Adaptar soluções para a realidade brasileira é uma característica compartilhada com a iniciativa proposta pela pesquisadora mineira, também premiada, Luisa Campos Caldeira Brant (UFMG). O projeto que desenvolve busca auxiliar no acompanhamento de pacientes diagnosticados com insuficiência cardíaca - “a fase final de quase todas as doenças do coração”, explica, Brant. A condição acomete, por exemplo, pacientes que sofreram infarto, portadores de Doença de Chagas ou que tiveram inflamação nos tecidos do coração.
A proposta é implementar um aplicativo que pretende intensificar o contato deste paciente com o sistema de saúde após a alta. Brant explica que os primeiros 60 dias são um momento crítico permeado de riscos em que 30% dos pacientes voltam a ser internados. “Uma taxa muito alta de reinternação”, dimensiona.
O aplicativo recebeu o nome de OPT, do inglês, Outpatient treatment foi desenvolvido em parceria com cinco universidades dos Estados Unidos (EUA) sob a liderança da Universidade de Stanford. Agora, ao ser aplicado no contexto brasileiro, dispõe entre seus recursos didáticos orientações adaptadas ao cotidiano e culinária regional. Além disso, mantém o paciente em contato com equipe médica por meio de chat e consultas em telemedicina.
Desafios e carreira
O objetivo de Brant é poder futuramente integrar a solução ao Sistema Único de Saúde (SUS) e ampliar para o acompanhamento de outras doenças como diabetes e hipertensão. Desta forma, a pesquisa retorna seus resultados para a assistência - área em que atuou quase que exclusivamente por anos na sua carreira dentro da medicina. A pesquisadora ressignificou a sua trajetória em 2019 ao mudar-se para São Paulo para dedicar-se ao cuidado a uma de suas duas filhas diagnosticada, naquele ano, com leucemia.
A partir daí o seu caminho seguiu na direção da Ciência de Implementação. Ela explica que “existe uma lacuna de mais ou menos 17 anos entre uma intervenção de ser comprovada como benéfica e chegar, te fato, para quem precisa”. Neste estudo científico, busca-se encurtar este tempo através de estratégias que envolvam os pacientes, médicos e o sistema de saúde. O que orienta seu trabalho no Centro de Telessaúde do Hospital das Clínicas da UFMG como membro da Rede de Teleassistência de Minas Gerais criada com apoio da FAPEMIG.
A escolha pela carreira acadêmica é uma escolha permeada de desafios ainda que em áreas relacionadas a saúde as mulheres sejam a maioria. De acordo com o Relatório BORI-Elsevier, publicado em março deste ano, e que avalia a participação feminina brasileira em publicações no período entre 2002 e 2022, as mulheres são 57% dos autores em artigos na área de Medicina e 80% na Enfermagem. A nível global, o cenário revela um desafio. Segundo o relatório A Situação das Mulheres e a Liderança na Saúde Global da Women in Global Heath de 2022 as mulheres ainda são 25% da liderança em saúde.
Na perspectiva de Luisa Brant, a disparidade está relacionada, entre outros fatores, com os entraves em garantir oportunidades iguais de fomento. O que foi um desafio para a pesquisadora mãe de duas meninas. “Tudo está ligado com o quanto de fomento você tem e o quanto produz”, contextualiza. A maioria das oportunidades de financiamento usam como critério de avaliação a produtividade em razão do tempo. Ela exemplifica que em um edital que considera o período de dez anos após a defesa do doutorado uma mulher que dedica dois anos a maternidade tem uma desvantagem de 20% em relação a um homem.
Para Fernanda Soares (UFTM) um desafio que enfrenta tem sido conquistar o respeito dos pares e alunos. “Demanda muito mais esforço para uma mulher ser reconhecida e respeitada por seu trabalho que um homem. Infelizmente a sociedade ainda objetifica muito a mulher” compartilha, Fernanda Soares (UFTM). “O fato de ser mulher e ser jovem faz com que as pessoas, em uma primeira impressão, achem que não temos competência. Se eu fosse um homem, certamente isso seria muito diferente”.
Busca por equidade
Desde 2023, a FAPEMIG trabalha para garantir a equidade para a garantia de fomento entre homens e mulheres. As chamadas atuais avaliam a produção científica em um período de cinco anos acrescidos de um ano em casos de mulheres que tiveram filhos naquele período.
No mesmo ano, lançou a Chamada 06/2023 - Ciência Por Elas: Fomento à Participação Feminina na Ciência, Inovação e Colaboração Internacional destinando R$ 15 milhões para o fomento de projetos de pesquisa científica e tecnológica coordenados exclusivamente por mulheres, nas diversas áreas do conhecimento.
Este ano, em mais um passo em direção à equidade de gênero, incluiu na chamada Organização de Eventos de Caráter Científico (OET) a contratação de serviços de terceiros relacionados à brinquedoteca, a espaço recreativo destinado aos filhos de pesquisadores participantes do evento aos itens financiáveis.