A pandemia causada pela covid-19 é um evento inédito na história, uma vez que mesmo em epidemias passadas o cenário de contaminação era menor. Com isso, as lacunas de informação e conhecimento ainda são grandes e a produção científica é crucial para a sua compreensão.
Pensando nisso, a FAPEMIG lançou a Chamada 01/2020 - Programa emergencial de apoio a ações de enfrentamento da pandemia causada pelo novo Coronavírus. Ao todo o programa aprovou 19 projetos de pesquisas voltados para métodos de diagnóstico, novos tratamentos e procedimentos terapêuticos, acompanhamento de pacientes e prevenção à doença.
Um dos projetos aprovados na Chamada, o Angiotensina (1-7) no tratamento de pacientes da covid-19: o estudo ATCO, pretende testar um tratamento desenvolvido por pesquisadores da UFMG, originalmente para tratar a hipertensão arterial, em pacientes que apresentam quadros graves da covid-19. O medicamento é uma ‘cópia’ feita em laboratório da angiotensina 1-7, hormônio produzido pelo corpo humano com efeito protetor.
Segundo o coordenador do Laboratório de Hipertensão, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nano-Biofarmacêutica (N-Biofar) da UFMG e CEO da Angitec – startup de pesquisa e desenvolvimento derivada do N-Biofar – Robson Augusto Souza dos Santos, a substância tem propriedades anti-inflamatórias e anti-hipertensivas.
O hormônio também atua na prevenção de arritmias e tromboses. “No organismo, é produzida a partir de uma enzima, conhecida por ECA2 (enzima conversora de angiotensina 2). E é a partir desse ponto que pesquisadores brasileiros e belgas irão investigar como a história dessa substância se cruza com o novo coronavírus”, conta o coordenador.
Santos explica que a ECA2 está no centro da covid-19, uma vez que atua como receptora do vírus nas células do nosso organismo, incluindo as células dos pulmões. Ou seja, para que novo vírus penetre nas células pulmonares e se replique, é necessário a presença da ECA2. Após entrar na célula o vírus causa um processo inflamatório e debilita o sistema respiratório.
Além das células pulmonares, a ECA2 também compõe as células dos neurônios e do sistema imunológico e, por isso, os sintomas da doença vão muito além do que conhecemos por uma gripe. “Hoje temos a hipótese de que a covid-19 seja uma doença mais vascular do que pulmonar, embora a porta de entrada sejam as vias respiratórias”, explica Santos.
Segundo o pesquisador, o coronavírus ‘sequestra’ a ECA2 e com isso ela ela não consegue exercer sua função protetora. “O tratamento experimental busca, assim, compensar esse desequilíbrio repondo o hormônio”, conta.
“Se os testes confirmarem a hipótese inicial, a angiotensina 1-7 poderá ser utilizada nos hospitais em caráter experimental, como recurso adicional de tratamento para a covid-19”, ressalta o pesquisador.
A primeira fase do estudo clínico para testar a eficácia do remédio acontecerá em Belo Horizonte, no Hospital Mater Dei e na Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG). O estudo verificará cerca de 60 pacientes voluntários, maiores de 18 anos, internados com insuficiência respiratória, com necessidade de ventilação mecânica e com previsão de estadia na UTI por mais de 48 horas.
Segundo o coordenador, os voluntários receberão o medicamento via endovenosa por sete dias. “Metade receberá a substância ativa e outra um placebo”, explica.
Como o remédio é feito a partir de uma substância produzida pelo organismo humano, a expectativa é que não ocorra efeitos colaterais. “Além disso, nenhum outro tratamento, que já esteja sendo utilizado será interrompido”, destaca.
Se os resultados forem satisfatórios em diminuir a gravidade dos sintomas e em reduzir o tempo de ventilação mecânica e permanência na UTI, haverá uma nova fase de testes. “Além disso, no segundo semestre deste ano, outro protocolo deverá ser realizado com a mesma substância por via oral, mas com foco em pacientes com sintomas leves”, adianta.
Santos destaca, ainda, que a eficácia da angiotensina 1-7 já está muito bem documentada. Segundo o médico, um estudo clínico, realizado entre 2009 e 2011, por pesquisadores da UFMG já demonstrou a aplicabilidade dessa substancia no controle de quadros de pré-eclâmpsia, a chamada pressão alta na gravidez.
“Além disso, o medicamento também já foi testado em pacientes com câncer, em pesquisas internacionais”, conta o pesquisador.
Texto publicado originalmente no site Minas Faz Ciência.