Filósofo da UFMG traduz os oito volumes da Física de Aristóteles

Luana Cruz – Revista Minas Faz Ciência 76 - 26-01-2021
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Traduções de manuscritos da Antiguidade ajudam a elucidar questões sobre a existência e o funcionamento do mundo, de modo a dar origem a conceitos fundadores da ciência moderna. A produção de Aristóteles é um exemplo de tal processo que, apesar de secular, não foi inteiramente traduzida, do grego, a outras línguas. 

“Trata-se de obra imensa e complexa”, afirma o filósofo e professor Fernando Eduardo de Barros Rey Puente, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 

O pesquisador, que contou com o apoio da FAPEMIG pelo Programa Pesquisador Mineiro, encarou o desafio da tradução, ao português, de oito volumes dos escritos aristotélicos sobre Física, a serem reunidos em livro inédito, além de, posteriormente, disponibilizados na internet. A tradução durou cerca de oito anos e foi concluída em fevereiro de 2018

Segundo Fernando Puente, o trabalho se revelou “penoso”, mas lhe rendeu bastante orgulho. “Foram muitos anos! Isso não quer dizer, porém, que todo dia eu traduzia algo. Não parei minha vida. Tinha atividades acadêmicas e nunca deixei de produzir trabalhos sobre outros autores”, conta. 

Método 

Segundo o pesquisador, há opções metodológicas para traduzir do grego antigo ao português. De um lado, está a possibilidade de ser mais literal, ao criar sintaxe e linguagem um tanto quanto artificiais, mas sendo fiel ao texto original. 

Outro caminho é abrir mão da precisão absoluta e fazer concessões, sem deixar de estar próximo às ideias do autor. “É possível trabalhar com termos já consagrados na história das traduções ou inovar. Fiz um grande laboratório ao longo desses anos, experienciando o processo tradutório”, afirma. 

Um dos grandes tradutores de Aristóteles, na Idade Média, foi Guilherme Moerbeke, que levou a obra do pensador ao latim, com muita proximidade às palavras originais. Já no Renascimento, muitos consideraram o trabalho de Moerbeke como “latim bárbaro” e apresentaram outras soluções. 

“No início, tentei fazer algo muito literal, mas vi que soava artificial. Fiz concessões e segui a ideia dos renascentistas, ao tentar estar mais próximo do uso de nossa linguagem. Por fim, tentei ser fiel à sintaxe e aos termos, mas resguardando nosso idioma”, explica Fernando Puente. 

Palavra por palavra

Certos vocábulos dificultaram os arranjos tradutórios. Exemplo importante diz respeito à própria palavra fýsis, pois a terminação sis, em grego, refere-se a processo. De acordo com Fernando Puente, na língua portuguesa, quando se fala do amadurecimento de organismos biológicos, geralmente, usamos a ideia de maturação. 

No entanto, esse não seria um termo adequado à tradução proposta. “Optei por usar ‘naturação’, pois, se falo de natureza, nosso ouvido entende que é algo distinto de ‘sujeito’. As categorias de sujeito e objeto, tais como a gente compreende na Modernidade, não existiam no mundo grego. Quando Aristóteles fala de fýsis se refere a naturação, algo em processo, em devir”. 

Os oito volumes que darão origem ao livro Física abrem problemas científicos e questões filosóficas. Por isso, opções de tradução, que funcionam no contexto de um volume, podem não servir para outro. “Gastei bastante tempo ao checar palavra por palavra. Fiz isso com todos os termos e conceitos mais importantes em Aristóteles, processo útil para pensar as questões filosóficas”. 


Matéria publicada originalmente na edição 76 da revista Minas Faz Ciência. Confira a matéria na íntegra aqui.