Um tecido têxtil atóxico e inteligente, capaz de absorver e armazenar energia, fornecendo conforto térmico adequado ao usuário: essa é a proposta do “Tecido Controlador Térmico, Processo de obtenção e Uso”, inovação desenvolvida por um grupo de pesquisadores da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e vencedora do Prêmio Patente do Ano, concedido pela Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI) em agosto de 2022. O projeto, que teve o apoio financeiro da FAPEMIG, contou com a parceria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O tecido possibilita um microclima estável para o corpo humano, próximo à pele, a fim de manter a termorregularidade do indivíduo em situações em que a temperatura for extremamente suscetível a variações entre o frio e o calor. Para evitar a hiperidrose, condição que provoca suor excessivo no corpo, por exemplo, foi desenvolvido um composto polimérico, formado por duas substâncias: o polietileno glicol (PEG) e o poli (ácido itacônico) (PIA). O PEG, quando aplicado em tecidos, regula continuamente o microclima entre a pele do usuário e o tecido, oferecendo conforto térmico ao usuário, caso haja alteração na temperatura do ambiente e do corpo. Outro fator interessante da tecnologia é que o PIA é um polímero que pode ser obtido a partir de fontes renováveis, como o melaço da cana de açúcar.
Parte de um teste termográfico com objetivo de analisar a transferência de calor entre tecido e corpo de duas amostras distintas (Fonte: arquivo pessoal)
A designer Priscila Loschi, uma das pesquisadoras responsáveis pelo projeto, na época era aluna de Design de Produto na UEMG. O seu interesse por disciplinas relacionadas a outras áreas, como química e polímeros, fez com que ela conhecesse as professoras ligadas à iniciativa, Eliane Ayres, do Departamento de Sistemas de Produção (DESP) e Rosemary Bom Conselho Sales, do Departamento de Planejamento e Configuração (DEPC) da UEMG. Além das pesquisadoras, o projeto contou também com contribuições de Rodrigo Lambert Oréfice, do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais (DEMET).
A pesquisa durou cerca de 11 anos. Devido aos Jogos Olímpicos de Londres em 2012, a equipe de Ayres submeteu a ideia, nomeada de “Materiais de mudança de fase aplicados no design de tecidos inteligentes” para o Prêmio Jovem Cientista, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), cujo tema foi “Inovação tecnológica dos esportes”. Loschi conquistou o primeiro lugar com a proposta, na categoria Estudante do Ensino Superior. “Na época, falavam muito de esportes, pois ocorriam as Olímpiadas em Londres e em seguida o Brasil sediaria os jogos, em 2016. Tendo isso em vista, adequamos o nosso trabalho e ganhamos o prêmio, já que o tecido atende a prática esportiva,” comenta. Após a premiação, o pedido de patente foi feito com o objetivo de registrar a tecnologia, o que possibilitou maior visibilidade e recursos à UEMG. “O prêmio possibilitou um salto para que novos estudantes e pesquisadores pudessem trabalhar, viabilizando também mais recursos para a universidade”.
Tecido amplamente aplicável
O tecido têxtil possui ampla aplicabilidade e pode ser utilizado na confecção de material para prática esportiva, em roupas para produtores rurais, em uniformes de profissionais de limpeza urbana, policiais, bombeiros, metalúrgicos e siderúrgicos, incluindo a capacidade de aplicação em equipamento de proteção individual (EPI), em roupas de cama e em calçados. De acordo com as perspectivas de Loschi, a contar o reconhecimento da pesquisa ao longo dos anos, foi viável que o tecido inteligente ganhasse respaldo e notabilidade. Ela salienta que o resultado dos estudos desenvolvidos evidencia o impacto da ciência no país. “A ideia é relevante considerando a condição climática do Brasil, que é um país tropical. E, acima de tudo, é importante considerar que isso foi um grande avanço para nós, pois trouxe visibilidade para a nossa ciência”, afirma.
Em busca de parcerias
Apesar das premiações conquistadas nos últimos anos, para que o tecido chegue até o mercado, a equipe busca por parcerias públicas e privadas. Fernando Melo da Silva, coordenador de Propriedade Intelectual do Núcleo de Inovação Tecnológica da e Transferência de Tecnologia e professor da UEMG (NIT/UEMG), reforça que agora é o momento da realização de testes em larga escala. Segundo ele, é necessário encontrar empresas e marcas interessadas em obter o produto. “Começamos o processo de patenteamento a partir da chamada Demanda Universal, em 2010. Graças ao fomento da FAPEMIG, avançamos e, em 2013, entramos com o pedido de patente. De lá para cá, a pesquisa foi desenvolvida e laureada, mas é preciso reconhecer que podemos ir além”, comenta.
Loschi enaltece a relevância da FAPEMIG em sua pesquisa. Ela destaca a importância do reconhecimento do design e da sua relação com as demais áreas do conhecimento, como a engenharia e a química, respectivamente, enaltecendo o diálogo entre conhecimento e as demandas da sociedade. “A FAPEMIG é um órgão importante para a sociedade. E a aplicabilidade dessa pesquisa estende-se do bem-estar à valorização da nossa economia: utilizamos materiais sustentáveis e de fontes renováveis. Espero que a minha experiência reflita em pessoas que também anseiam por criar.”
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