A Cartografia é a uma área de estudo que trata da concepção, produção e divulgação de mapas, segundo a Associação Internacional de Cartografia (ICA). Durante o processo de aprendizagem escolar, os mapas são materiais didáticos fundamentais para introduzir e complementar conteúdos diversos. Muitos elementos, como localização, formatos e hierarquia de informações, são compreendidas por meio da visão. Você já se perguntou como os mapas podem ser ensinados para crianças com diferentes níveis de deficiência visual?
Segundo dados do último Censo brasileiro (2010), 18,7% da população brasileira, o que corresponde a cerca de 36 milhões de brasileiros, possui deficiência visual (estão incluídos indivíduos com grande ou alguma dificuldade de enxergar ou cegos). Só em Minas Gerais, os dados apontaram 45.015 pessoas cegas, 591.313 com grande dificuldade de enxergar e 2.703.412 com alguma dificuldade. Neste contexto, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (4/2009) exige que alunos portadores de quaisquer deficiências estejam matriculados em escolas regulares e no Atendimento Educacional Especializado (AEE) que são instituições comunitárias ou filantrópicas que agem de forma suplementar no ensino destes alunos disponibilizando serviços e recursos de acessibilidade.
Diante deste desafio, surgiu o primeiro grupo de pesquisa focado em Cartografia Tátil no Estado de Minas Gerais. Seu objetivo tem sido desenvolver metodologias e materiais didáticos táteis para alunos do Ensino Básico portadores de deficiências visuais, além da contribuir com a formação continuada dos seus professores.
Pesquisadores reunidas para o desenvolvimento dos mapas táteis.
Fonte: Sílvia Ventorini/UFSJ
A pesquisa
Em 2013, o Grupo de Cartografia Tátil era formado por Maria Isabel Castreghini de Freitas, da Universidade Estadual Paulista (
Unesp), José Antônio dos Santos Borges e Eduardo Bento Pereira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (
UFRJ), e Sílvia Elena Ventorini, da Universidade Federal de São João Del Rei (
UFSJ). Eles deram início ao projeto nomeado “Cartografia tátil: geração de material didático e práticas pedagógicas como apoio ao ensino de geografia para alunos com deficiência visual”, que recebeu apoio da FAPEMIG, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (
Capes) e da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ).
A pesquisa parte de um questionário aplicado a 19 alunos da Escola Estadual São Rafael, uma AEE localizada em Belo Horizonte, capital mineira. Segundo a coordenadora do projeto e membro do grupo de pesquisa, Sílvia Elena Ventorini (UFSJ), todos os materiais didáticos desenvolvidos neste trabalho foram pensados ouvindo atentamente às observações expressas pelos alunos. Ela explica que desta maneira é possível compreender os resultados obtidos e identificar as limitações da metodologia, do material, ou se existe a necessidade de reforçar conceitos fundamentais.
Maquetes e mapas táteis
Sílvia Ventorini reitera que o ensino da cartografia para crianças cegas, assim como para as normovisuais, aquelas que tem o sentido da visão sem deficiência, deve partir considerando o seu conhecimento de mundo, sempre permitindo que ela expresse o seu conhecimento espacial. Por isso, o grupo desenvolveu maquetes partindo da representação do espaço da sala de aula dos alunos e da Escola Estadual São Rafael. As peças eram removíveis e podiam ser afixadas na base metálica com imã a fim de serem montadas e desmontadas pelos estudantes sem que fossem derrubadas acidentalmente no processo.
Aluno experimenta maquete da Escola Estadual São Rafael
Fonte: Sílvia Ventorini/UFSJ
Montada a maquete, as crianças foram apresentadas a um mapa da sala de aula de forma bidimensional. Com uma das mãos sobre a maquete da sala de aula e a outra sobre o mapa elas poderiam fazer a leitura e comparação. O objetivo do exercício foi introduzir o conceito de representação por meio de formas geométricas importante para compreensão posterior de mapas táteis.
O grupo também buscava desenvolver uma forma de inserir recursos sonoros nos mapas o que contribui para o enriquecimento sem tornar a leitura mais cansativa para os estudantes. "O braile tem um padrão. Eu não posso aumentar ou diminuir os símbolos como eu faço em qualquer escrita, então, isso limita a quantidade de informações que posso inserir em um mapa”, explica Ventorini. Partindo do Sistema Maquete/Mapavox, recurso que já existia e que permite a inserção de som em materiais didáticos, o professor Eduardo Bento (UFRJ) desenvolveu uma alternativa mais compacta e barata. Ela foi batizada de Arduvox.
De maneira a reunir e divulgar para os professores os materiais, observações e resultados desenvolvidos neste trabalho, foi publicado um livro chamado “Deficiência visual, práticas pedagógicas e material didático”. Ele está disponível gratuitamente no site oficial da UFSJ.
Confira aqui.
Perspectivas
O projeto foi divulgado em seminários e foram ministrados workshops e cursos. Após uma pequena pausa durante a pandemia de covid-19, o grupo continuou a trabalhar com a formação de professores. Sílvia Ventorini conta que, a convite do Centro Paulo Souza, em São Paulo, desenvolveram materiais didáticos específicos e ministraram um curso para os docentes da instituição.
Hoje, o grupo apresenta uma nova configuração. Atualmente, também fazem parte as professoras Paula Cristiane Strina Juliasz (USP), Amanda Regina Gonçalves (UFU) e Patrícia Assis da Silva (UFJF). Além disso, contam com a contribuição de informal da professora Maria Isabel Castreghini que se aposentou pela Unesp.
Em relação às pesquisas, um próximo trabalho a ser desenvolvido tem como objetivo desenvolver metodologias com fator inclusivo. “A nossa proposta, agora que as escolas retomaram com as aulas presenciais, tem o objetivo de pesquisar quais são as semelhanças e as diferenças na organização espacial tanto com alunos cegos quanto com alunos normovisuais para a criação de uma proposta de ensino comum, respeitando as especificidades de cada público e de cada criança”, antecipa.