A Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) anunciou os vencedores da 5ª edição do Prêmio CBMM de Ciência e Tecnologia. Na categoria tecnologia, o vencedor foi o mineiro Nivio Ziviani, formado em engenharia mecânica e cientista da computação, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Ordem Nacional do Mérito Científico, nas Classes Comendador e Grã-Cruz. Conhecido internacionalmente por ser um cientista-empreendedor, é Professor Emérito do Departamento de Ciências da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (DCC/UFMG). O prêmio foi criado para reconhecer profissionais que, com suas pesquisas e descobertas, abrem caminhos para transformações no Brasil e no mundo. O professor buscou essa transformação por meio da pesquisa e desenvolvimento de mecanismos de busca de documentos na web, recuperação da informação em grandes bases de dados e Inteligência Artificial (IA), tendo muitos de seus trabalhos apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
Nívio se denomina um empreendedor serial. É cofundador de cinco empresas de tecnologia no DCC, sendo que três delas, Miner Technology Group, Akwan Information Technologies e Neemu Technology, foram vendidas para o Grupo Folha de São Paulo/UOL, para a Google Inc. e para a Linx, respectivamente. O sucesso dos empreendimentos permitiu retornar para a Universidade recursos que foram investidos em laboratórios, bibliotecas e bolsas de pesquisa para alunos e professores. O prêmio de R$500 mil será entregue em novembro, em um lugar simbólico e familiar para Nivio: a sede da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, espaço que visita com frequência por fazer parte do projeto Amigo da Filarmônica. O pesquisador, que também é um apaixonado por jogar tênis e ouvir música, falou um pouco de sua história e sinalizou três temas emergentes que todos deveriam prestar atenção na atualidade
O senhor acaba de ganhar o Prêmio CBMM de Ciência e Tecnologia na categoria Tecnologia. Esse não é o primeiro prêmio que o senhor ganha. Como se sente com mais este reconhecimento?
Receber esse Prêmio é um reconhecimento muito especial, pois ele considera as iniciativas desenvolvidas tanto na área de ciência quanto na de tecnologia. É uma grande honra ter sido escolhido por uma comissão julgadora composta por membros de notório saber nas áreas do Prêmio CBMM de Ciência e Tecnologia.
Essa trajetória vitoriosa deve ter sido permeada por muitos erros. Como os erros cometidos permitiram a pavimentação das experiências exitosas?
Eu sou um empreendedor serial, cofundador de cinco empresas que nasceram a partir de pesquisas realizadas no Laboratório de Tratamento da Informação (LATIN) e no Laboratório de Inteligência Artificial (LIA), ambos do DCC/UFMG. Para conseguir realizar as coisas, eu sempre corri muitos riscos, do contrário não conseguiria fazer muito. Existe uma cultura no nosso país de muita burocracia e, se você não tiver muita coragem para enfrentar problemas, não concretiza nada. Nessa trajetória, os erros são inevitáveis e eles foram fundamentais porque se aprende mais com os erros do que com os acertos. Para citar um exemplo, em 2009, eu fui um dos cofundadores da Zunnit Technologies, que tinha dentre os seus clientes mais importantes, o Peixe Urbano, que faliu em 2021. Foi com o Peixe Urbano que começamos a fazer uso da IA para a recomendação de clientes da empresa, em 2012, tema que é hoje a minha principal área de pesquisa. A Zunnit também atuava na recomendação de notícias para leitores de importantes jornais online. Com o passar do tempo, percebemos que a indústria jornalística vinha perdendo leitores, um mercado com potencial limitado para o crescimento. Foi quando decidimos fechar a Zunnit e entrar de cabeça na área de IA com a criação de outra empresa, a Kunumi Artificial Intelligence, em 2016. A experiência foi de grande aprendizado, o insucesso ensina mais do que o sucesso pleno.
Inovação, empreendedorismo, startups, Inteligência Artificial. Todos esses são temas muito relevantes e com os quais o senhor já trabalhou ou trabalha diretamente. O que fazer para manter o entusiasmo para lidar com essas temáticas?
Penso que tem a ver com estar no lugar certo na hora certa. Nas últimas décadas, eu pude acompanhar três grandes ondas mundiais de inovação tecnológica: metabusca, busca e IA. Sobre as duas primeiras, eu trabalhei durante muito tempo com processamento de documentos constituídos de textos, nos anos 1980 e 1990. Com o nascimento da Web, no início dos anos 1990, eu tive a oportunidade de aplicar todo esse conhecimento na criação de mecanismos de metabusca e busca. Depois, no início dos anos 2010, eu comecei a trabalhar com IA, que se tornou minha área de pesquisa desde então. Durante todos esses anos, eu sempre tive a preocupação de mobilizar o conhecimento gerado pelas pesquisas em riqueza, por meio da criação de empreendimentos inovadores. Em 1998, eu cofundei a primeira startup, a Miner Technology Group, na área de metabusca e que depois foi adquirida pelo Grupo Folha de São Paulo/UOL. A partir daí, foram criados mais quatro empreendimentos inovadores: a Akwan Information Technologies, que oferecia um mecanismo de buscas na web, adquirida pela Google, em 2005; a Zunnit Technologies, como já mencionei; a Neemu Technology, que atuava na busca no comércio eletrônico, adquirida pela Linx, em 2015; e, por fim, a Kunumi Artificial Intelligence, criada em 2016, empresa que apresenta soluções em IA e orienta estratégias de negócios, ciência e tecnologia em diversas áreas. Os resultados foram a criação de uma quantidade grande de empregos nobres, a retenção de talentos e mão de obra extremamente qualificada no país e, principalmente, o retorno para a sociedade de parte do dinheiro investido em universidades públicas.
Ainda sobre a Inteligência Artificial, encontramos um cenário que, por vezes, destaca aspectos negativos da tecnologia – como a perda de empregos e a precarização do valor do ser humano – descrevendo cenários catastróficos e até distópicos. Como o senhor lida com esse cenário?
De fato, não podemos falar de IA sem considerar a discussão sobre os vieses e impactos éticos que o seu uso pode causar. São aspectos que demandam cuidado e atenção. Pela sua própria característica, a IA tem amplo potencial de aprendizado, mas quando a utilizamos em soluções tecnológicas em geral, é importante que sejam observados alguns procedimentos que garantam que o modelo gerado a partir dos dados esteja correto. Para que isso funcione de maneira adequada, é preciso ter um especialista para validar dados e ajudar na criação de modelos. Somente ele será capaz de fornecer informações seguras e confiáveis para o aprendizado das máquinas. No desenvolvimento, os dados retornam para a verificação do especialista, que pode corrigi-los e aperfeiçoá-los, a exemplo do que acontece na área médica, nos diagnósticos por imagens. O especialista ensina o robô a ler imagens para dar o diagnóstico certo. Muitas vezes a máquina consegue perceber detalhes não perceptíveis a olho nu. Trabalhando dessa forma, nós usamos a IA para empoderar o especialista, nas suas mais diversas atuações profissionais, e oferecer para ele melhores condições para realizar a sua atividade.
Como o senhor acha que as pessoas podem fazer a diferença nas pesquisas nessa área?
A principal vantagem da IA, do ponto de vista técnico, é oferecer a possibilidade de os computadores aprenderem sem serem explicitamente programados; eles aprendem com os dados. Na verdade, ocorreu uma grande mudança filosófica. Diante de um conjunto de dados e uma função-objetivo que diz onde precisamos chegar, o resultado da computação por meio de algoritmos de IA é o programa, que é um modelo matemático treinado a partir de dados conhecidos. Diante de dados novos, nunca vistos antes, o modelo (programa) gerado pela IA é capaz de reconhecer faces, dizer se uma imagem de um paciente indica presença ou não de células cancerosas, reconhecer emoções por trás de uma fala em tempo real, entre outras possibilidades. O especialista em IA pode então atuar e causar impacto positivo nas diversas áreas do conhecimento como arte, economia, indústria, saúde e na sociedade.
Para desenvolver tantos projetos, o senhor deve se cercar de muitas pessoas, desde estudantes em início de carreira a empreendedores renomados. Qual a importância de fortalecer constantemente esta rede e como fazer isso?
Todos os empreendimentos inovadores envolveram alunos brilhantes de graduação, mestrado e doutorado, bem como investidores renomados com visão de futuro. Há dez anos, eu tenho o privilégio de poder trabalhar com uma pessoa com enorme conhecimento prático e teórico da área de IA: o professor Adriano Veloso. Nós dois somos cofundadores do LIA, local onde trabalhamos com alunos de Iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado, desenvolvendo pesquisa de forma multidisciplinar em conjunto com especialistas nas diversas áreas do conhecimento. O Adriano foi meu aluno na graduação e na pós-graduação em Ciência da Computação do DCC/UFMG e hoje eu aprendo com ele sobre P&D em IA. Tenho a alegria e o privilégio de poder contar com essa parceria.
Desde que o senhor ajudou a fundar o curso de Computação da UFMG, em 1973, até hoje, o que mudou em relação à construção de conhecimento na área?
O ensino está mudando muito, não apenas na Ciência da Computação, mas em todas as áreas. A interdisciplinaridade é algo fundamental, principalmente para a Computação, que permeia todas as outras áreas. Vamos considerar três exemplos de projetos desenvolvidos no LIA (DCC/UFMG) de forma multidisciplinar, com foco na área da saúde. O primeiro é sobre o Alzheimer. O diagnóstico da doença é desafiador, principalmente nos estágios iniciais, devido a? falta de modelos clínicos e bioquímicos específicos para a doença. Nós trabalhamos com biomarcadores sanguíneos para predizer se pacientes com Déficit Cognitivo Leve (do inglês MCI - Mild Cognitive Impairment) tem alta chance de desenvolverem a doença em ate? quatro anos. Conhecer mais cedo os sinais de risco da conversão para o Alzheimer pode adiar a neurodegeneração no cérebro em até 10 anos com mudança de hábitos, tais como, permanecer ativo, adotar uma alimentação saudável, evitar o sobrepeso, não fumar, manter a pressão arterial adequada, controlar o colesterol e a taxa de açúcar no sangue. Esse trabalho é realizado em parceria com os professores Paulo Caramelli (Faculdade de Medicina da UFMG) e Karina Gomes Borges (Faculdade de Farmácia da UFMG). O segundo projeto busca a identificação precoce de pacientes na UTI com risco de óbito ou de complicações graves. Hoje, isso é realizado usando elementos administrativos e clínicos previamente coletados durante a primeira hora após a admissão do paciente. Os resultados obtidos permitem a identificação de problemas nas próximas 48 horas com a sugestão de protocolos a serem seguidos para a equipe médica. Esse trabalho é realizado em parceria com o professor Saulo Saturnino, responsável pela UTI do Hospital da Clínicas da UFMG. Por fim, cito trabalho com a Avaliação Automática de Dor em Fetos. A detecção do comportamento relacionado à dor no feto humano durante a gravidez patológica tem implicações importantes, já que o comportamento relacionado à dor é um marcador potencial de vitalidade e saúde fetal. Detectar expressões de dor no feto aumenta as chances de um diagnóstico mais preciso da sua condição de saúde e de quadros que podem afetar o seu crescimento e desenvolvimento. Um simples ultrassom de rotina fornece imagens da face do feto, onde a IA consegue avaliar a vitalidade fetal sem a necessidade de realização de exames invasivos. Esse trabalho é realizado em parceria com os professores da Universidade de São Paulo e Aalborg University da Dinamarca, Daniel Ciampi de Andrade e Lisandra Stein Bernardes.
Falando um pouco mais do contexto apropriado para a inovação, como o senhor avalia o cenário mineiro e brasileiro atualmente? Que barreiras ainda precisam ser transpostas?
O cenário mineiro, especialmente aqui em Belo Horizonte, é muito propício à inovação, com o San Pedro Valley e tantas startups de sucesso. Mas, ao mesmo tempo, ainda lidamos com muita burocracia. A legislação, às vezes, é uma camisa de força. Um bom exemplo é a questão trabalhista. Na Akwan, nós trabalhávamos com sistema de cooperativa porque se fôssemos registrar todos pela CLT, o negócio não aconteceria. Temos uma legislação muito pesada de forma geral, na qual uma lei anula a outra e vira uma loucura. Inclusive, estamos estudando usar a IA para facilitar a compreensão das leis e simplificar os processos. Ou seja, já avançamos muito, mas ainda precisamos ser muito corajosos para poder romper e concretizar projetos diante de tudo isso.
Queria que o senhor nos ajudasse num exercício preditivo e reflexivo, citando três temas ou áreas que merecem toda a atenção (de governos, estudiosos, empresários) atualmente, seja pela relevância social delas, seja pelo impacto que a falta de estudos nessas áreas pode gerar.
Educação
É importante reestruturar o ensino no país por meio de um programa de educação cujos objetivos principais devem: (i) Promover a multidisciplinaridade, introduzindo um currículo escolar que integre disciplinas tradicionais com projetos interdisciplinares (por exemplo, um projeto pode reunir estudantes de matemática, biologia e engenharia para resolver problemas ambientais); (ii) Resolução de problemas incentivando os estudantes a abordar desafios reais que podem ser ambientais, sociais, econômicos ou tecnológicos, trabalhando em equipes multidisciplinares para propor soluções inovadoras; (iii) Geração de riqueza e benefícios sociais, estimulando a criação de startups e projetos empreendedores com base nas soluções desenvolvidas pelos estudantes. Como benefícios esperados podemos citar: desenvolvimento de habilidades multidisciplinares nos estudantes, preparando-os para uma economia cada vez mais complexa; soluções inovadoras para desafios locais, resultando em melhorias significativas na qualidade de vida das comunidades; estímulo ao empreendedorismo e à criação de empregos, contribuindo para o crescimento econômico do Brasil; promoção da consciência ambiental e responsabilidade social entre os estudantes; e fortalecimento das relações entre escolas, empresas e comunidades locais.
IA
A IA é uma tecnologia que está no nosso dia a dia, tem as capacidades de classificar, rotular e predizer coisas centrais para ocupações e industriais, mostra-se capaz de ser melhorada continuamente, e gera inovações complementares, como percepção, visão computacional, reconhecimento de emoções pela voz e cognição. A principal vantagem da IA, do ponto de vista técnico, é oferecer a possibilidade de os computadores aprenderem sem serem explicitamente programados; eles aprendem com os dados. O diagnóstico de câncer a partir de imagens, que utilizam biópsias subsequentes como padrão-ouro para treinamento, produz modelos que conseguem diagnósticos superiores aos dos médicos especialistas, e isso é válido para qualquer outra área ou especialidade. Entretanto, na adoção da IA temos desafios no caso brasileiro: (i) o desafio relacionado a pessoas é o mais importante. Uma alternativa é formá-las, daí a importância da aproximação com a academia; (ii) Precisamos fortalecer a formação acadêmica dos nossos alunos em IA. Entretanto, o conhecimento adquirido tem que ser valorizado pela sua capacidade de gerar riqueza, pela solução de problemas da indústria e de empresas de serviços; (iii) No âmbito do governo, são necessárias políticas e iniciativas para criar um plano nacional de investimento para apoiar projetos fortemente inovadores, startups e pesquisas acadêmicas em IA.
Transição Energética
O Brasil tem condições privilegiadas para fazer a transição energética e enfrentar o problema das mudanças climáticas. Estamos vivendo um momento que demanda a criação de modelos de IA considerando prioritariamente as fontes hidrelétrica, eólica e solar, com a redução gradativa de dependência de termelétricas (fóssil). Nosso potencial eólico é muito grande e nosso potencial fotovoltaico é na prática ilimitado. Em um contexto de matriz energética predominantemente baseada nas fontes eólica e fotovoltaica, as nossas usinas hidrelétricas podem funcionar como uma grande bateria para estabilizar a oferta de eletricidade ao longo das estações e nos anos de seca. Para lidar com todas essas variáveis envolvendo incertezas climáticas crescentes e diversas fontes de energia, é fundamental usar a IA para que o sistema de geração, transmissão e distribuição de eletricidade opere com segurança, e que não haja falhas na oferta de energia elétrica nos locais e momentos em que ela seja demandada no cenário em que grande número de produtores injetará, de forma intermitente, eletricidade na rede.
O que o senhor faz enquanto não está trabalhando com algoritmos, pesquisando, palestrando e criando empresas de tecnologia?
Eu sou um apaixonado por tênis, gosto de jogar e de assistir. Comecei a jogar em 1974, depois que parei de pedalar porque já havia comprado meu primeiro carro e já não fazia tantas atividades físicas. Como eu tive poliomielite na infância, o tênis sempre me ajudou a lidar com as sequelas da doença. Hoje eu participo de competições fazendo dupla com minha filha mais velha, já ganhamos alguns jogos. Também adoro música clássica e música de forma geral.