Foto: Arquivo da pesquisadora Geisa Magela Veloso - Unimontes
“Era uma vez um monstro. Coisa mais feia: falava com a boca cheia! Ninguém o aguentava. Comia, comia e arrotava. Monstro? Não!”. Este não é um texto sobre monstros como o que foi escrito pelo escritor mineiro Elias José, mas a magia desse e de outros temas é a porta de entrada para envolver crianças do 1º ao 5º ano, que participam de uma pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), no universo da cultura escrita.
O estudo “Alfabetização em Rede: processos, práticas e desafios interpostos pela pandemia e pelo Plano Nacional de Alfabetização (PNA)” está sendo coordenado pela pesquisadora Geisa Magela Veloso, da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), e buscou problematizar saberes e fazeres produzidos por professores e crianças da Educação Infantil e do ciclo de alfabetização, durante e após a pandemia da Covid-19, no contexto de implementação do PNA, plano atualmente revogado.
Diante das dificuldades impostas pela pandemia, os desafios da implementação do PNA ficaram em segundo plano e a alfabetização das crianças mostrou-se urgente para o projeto, uma vez que o isolamento e a falta de contato com o ambiente escolar impactaram esse aprendizado. Para isso, a pesquisadora e sua equipe – composta por professores da Unimontes, mestrandos e graduandos do curso de Pedagogia –, visitam semanalmente uma escola periférica de Montes Claros, que atende crianças de camadas populares, em nove turmas do primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental.
“Nós temos trabalhado com as crianças a leitura literária, desenvolvendo um trabalho de atividades antes e durante a leitura, de forma a inserir as crianças no mundo da cultura escrita. Também realizamos jogos de alfabetização, explorando algum aspecto da própria compreensão textual, de ampliação de referências culturais, de vocabulário, enfim, de diversas questões relacionadas, de maneira a possibilitar a ampliação das referências culturais das crianças pela mediação do texto literário”, explica a pesquisadora.
Geisa conta que o trabalho extrapola a leitura da obra, pois permite explorar a história do autor, o idioma em que o livro foi escrito originalmente e para os quais ele também foi traduzido. Dessa forma, os alunos conseguem pensar além de suas próprias realidades e compreender possibilidades, percebendo que eles têm um universo imenso pela frente. A professora conta que, a partir dos encontros, os alunos querem saber sobre a Unimontes, quais cursos têm na universidade, se ela é de graça e outras dúvidas. “Essas são questões fundamentais para o nosso grupo porque é exatamente isso que nós queremos: despertar naquelas crianças a percepção de que a educação é direito delas, que elas têm direito a ter esse e outros direitos. Essa imersão no mundo da cultura, usando a literatura como objeto, é a nossa forma de chegar até elas. Como objeto de arte, a literatura oportuniza diferentes olhares, possibilidades e processos”, detalha a coordenadora.
Do mesmo modo, Geisa explica que a alfabetização não pode ser reduzida a uma simples decodificação. É preciso que o indivíduo tenha condições de ler e de compreender o que se lê e saber utilizar essa escrita com o propósito de comunicação, pois a língua é um sistema de representação em constante processo de transformação. Assim, a educadora lembra a importância da parceria entre escola e família, reafirmando o que está na constituição brasileira, que diz que a educação é de corresponsabilidade entre estado e a família. “A família precisa ser ouvida, acolhida e ser participante o tempo inteiro dos processos de educação. Ela não pode ser considerada o elo mais frágil da relação. A própria criança, quando entende que sua família valoriza a escola, valoriza muito mais também”.
Foto: Arquivo da pesquisadora Geisa Magela Veloso - Unimontes
No contexto digital, a habilidade de leitura ganha contornos ainda mais relevantes. “A alfabetização linguística propriamente dita precisa ser garantida enquanto um direito fundamental das crianças. É claro que o digital também é importante, mas sem essa garantia de que a criança compreenda o sistema de escrita, que ela dê conta de ler e escrever e compreender textos e fazer o uso social desses textos, não dá para a gente pensar em uma priorização, por exemplo, do letramento digital”, acredita.
Apesar de o letramento digital não ser o foco do trabalho que está sendo desenvolvido, o grupo está ciente do impacto que o digital exerce no cotidiano das crianças e tem usado a plataforma Wordwall, de jogos digitais, para criar alguns jogos que favorecem a alfabetização e apresentem outros suportes para além do papel.
Até o momento, o projeto já tem gerado bons resultados. A pesquisadora conta que o grupo de pesquisa tem ouvido das professoras que as crianças estão desenvolvendo bastante, sobretudo em relação à questão da oralidade, da construção de argumentos, do gostar de leitura, do gostar de livros. Nesse sentido, o desejo pela leitura está se dando pelo contato com obras de autores nacionais como Ruth Rocha, Sylvia Orthof, Elias José, Cecília Meireles, e internacionais como Sam Mc Bratney, Sean Taylor e muitos outros.
Para o próximo ano, a ideia é reduzir a frequência dos encontros com os alunos para que os pesquisadores comecem a consolidar e sistematizar os dados já coletados em sala de aula. Esse material vai subsidiar a escrita de novos artigos científicos.
Analfabetismo no Brasil
De acordo com dados do último censo, a taxa de analfabetismo recuou de 6,1% em 2019 para 5,6% em 2022. O Nordeste tinha a taxa mais alta (11,7%) e o Sudeste, a mais baixa (2,9%). No grupo dos idosos (60 anos ou mais) a diferença entre as taxas era ainda maior: 32,5% para o Nordeste e 8,8% para o Sudeste. O estudo também revela que, das 9,6 milhões de pessoas com 15 anos ou mais de idade que não sabiam ler e escrever, 59,4% (5,3 milhões) viviam no Nordeste e 54,1% (5,2 milhões) tinham 60 anos ou mais.
Diante desse cenário, o Ministério da Educação firmou, em junho desse ano, o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, em regime de colaboração entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, que almeja, por meio da conjugação dos esforços, garantir o direito à alfabetização de todas as crianças do país. O foco é garantir que 100% das crianças brasileiras estejam alfabetizadas ao final do 2° ano do Ensino Fundamental. O documento também visa à recomposição das aprendizagens, com foco na alfabetização, de 100% das crianças matriculadas no 3°, 4° e 5° ano, afetadas pela pandemia da Covid-19.
Em Minas Gerais, a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) implementou a Plano de Recomposição de Aprendizagens (PRA), que é uma inciativa que tem como objetivo reduzir a defasagem do ensino e de aprendizagens com a elaboração de estratégias de ensino com foco na recomposição das aprendizagens por meio das Habilidades da BNCC e do Currículo Referência de MG. Para tanto, o PRA oferece o acompanhamento e o monitoramento que trazem um diferencial para gestão de sala de aula, considerando o diagnóstico de cada turma e de cada estudante em sua singularidade, mitigando assim as defasagens do período pandêmico.
Para além da recomposição das aprendizagens, o plano prevê a continuidade da implementação do Currículo Referência de Minas Gerais na realidade da sala de aula, por meio de ações práticas do dia a dia, a partir das orientações feitas por professores responsáveis por realizarem visitas às escolas, considerando as avalições sistêmicas, internas e externas, e também intervenções nas escolas.
Avaliação de Fluência de Leitura em MG
A Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) está realizando a Avaliação da Fluência em Leitura de Minas Gerais 2023 em todas as escolas da rede estadual e municipais. É a primeira vez que o estado de Minas Gerais realiza essa avaliação, em larga escala, para analisar o nível de leitura dos estudantes que estão cursando o 2° ano do Ensino Fundamental. A avaliação será realizada até o dia 1° de dezembro, usando a base do Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A avaliação também considera as diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que definem como objetivo a alfabetização das crianças até o 2º ano do Ensino Fundamental, garantindo o direito fundamental de aprender a ler e escrever.
A Avaliação de Fluência consiste na aferição da capacidade de os alunos lerem, com velocidade e precisão (automaticidade), um número de palavras dicionarizadas e palavras possivelmente desconhecidas, isoladas, e um pequeno texto narrativo, em determinado tempo, seguido de três perguntas de compreensão. Além disso, também é avaliada a habilidade de ler um texto de forma rápida, suave e dependendo de pouco esforço na mecânica necessária à decodificação, o que é uma meta a ser perseguida nos anos iniciais da escolarização.