Pesquisadora Elizabeth Fontes em apresentação dos Projetos Inspiradores da FAPEMIG, na UFV. Foto: Julia Rodrigues
Em 2008, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa (UFV) reconheceu a necessidade de formar uma força-tarefa para entender, em profundidade, os mecanismos moleculares que afetam diretamente a produtividade agrícola mundialmente. A experiência resultou na crianção do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Interação Planta Praga (INCT-IPP) e, foi tão exitosa, que o projeto inicia sua segunda fase com importantes conquistas e investimentos robustos. Apenas a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) já aportou mais de R$ 5 milhões no projeto, que une ciência básica de excelência com inovação voltada à sustentabilidade na agricultura.
A pesquisadora Elizabeth Pacheco Batista Fontes, professora titular do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFV e coordenadora do INCT Interação Planta Praga, acompanhou esse processo desde o início. A pesquisadora conta que tudo começou em 2008, quando o Brasil, por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), lançou um edital para financiar grandes institutos e teve como parceiras as agências de fomento estaduais, como a FAPEMIG.
A base do projeto foi construída a partir de pesquisas realizadas no Instituto de Biotecnologia Aplicada à Agropecuária (Bioagro/UFV), onde os cientistas passaram a investigar soluções para combater pragas na agricultura, causadas por diferentes patógenos como bactérias, vírus e fungos. “Juntos, esses agentes são responsáveis por perdas de cerca de 40% na produtividade agrícola mundial, o que representa um impacto extremamente significativo”, aponta a pesquisadora.
Com essa missão, foi formada uma ampla rede de especialistas de diversas áreas de Minas Gerais e do Brasil, que já mantinham colaborações com instituições internacionais. A proposta de unir esforços em um projeto multidisciplinar, no qual diferentes expertises se complementassem, foi rapidamente acolhida. Essa rede de interações contava com laboratórios de excelência nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Itália, Espanha, entre outros.
Com a aprovação do projeto em 2009, o grupo enfrentou seu primeiro desafio: a falta de infraestrutura adequada. “A questão do espaço foi resolvida com alocação de recursos da FAPEMIG para o Bioagro. Os recursos da primeira etapa do projeto da FAPEMIG foram praticamente direcionados para a amplificação de laboratórios. O apoio nesse primeiro momento foi absolutamente relevante”, afirma Elizabeth.
Pesquisas de ponta fortalecem a base científica
Experimentos no laboratório do INCT Interação Planta Praga, em Viçosa. Foto: Júlia Rodrigues.
A primeira fase do INCT-IPP, que se estendeu de 2009 a 2020, foi marcada por avanços significativos no desenvolvimento da ciência básica. A pesquisadora explica que o grupo consolidou o conhecimento sobre os mecanismos moleculares que regem as interações entre plantas e patógenos. “Nosso INCT possui dois pilares muito fortes: o desenvolvimento de ciência de alto nível e a aplicação tecnológica do conhecimento produzido. Avançamos muito, por exemplo, nos estudos sobre as interações entre vírus e planta. Identificamos na primeira fase um mecanismo de imunidade antiviral inédito em plantas. Os resultados desses estudos foram compilados em publicações de alto impacto, com alta visibilidade internacional, incluindo nas revistas Nature e Nature Communications”, conta.
Outro marco importante foi alcançado pela equipe do INCT que estuda as interações entre plantas e fungos, liderados pelo pesquisador da UFV Sergio Brommoshenkel. De forma pioneira, os pesquisadores identificaram um gene que confere resistência ao fungo que causa a ferrugem na soja, uma das doenças mais devastadoras para o agronegócio brasileiro. Utilizando genômica funcional, conseguiram transferir esse gene, originalmente presente em uma variedade silvestre de feijão, para a soja, gerando linhagens transgênicas altamente resistentes ao fungo. O impacto científico e tecnológico dessas descobertas pode ser comprovado pela publicação de alto impacto na revista Nature Biotechnology.
Em uma outra frente da pesquisa, o grupo identificou uma via de sinalização antiviral que confere resistência ao vírus por meio da modificação do receptor. A estratégia, inicialmente testada em plantas-modelo, foi, posteriormente, aplicada com sucesso em tomateiros. “Esse é um exemplo claro de pesquisa translacional na agricultura. Primeiro, adquirimos os conhecimentos básicos essenciais, desenvolvemos toda a pesquisa em plantas-modelo e, então, transferimos esses avanços para culturas de interesse agrícola, que serão levadas ao campo. Com isso, obtivemos tomateiros com desempenho superior aos convencionais. É importante ressaltar que, embora as universidades utilizem esse percurso, não cabe a elas levar a linhagem transgênica para o mercado. Para isso, é necessário o envolvimento de outros agentes, como empresa e órgãos reguladores” detalha a professora Elizabeth.
Desenvolvimento de tecnologias com foco na sociedade
Elizabeth conta que, nesta segunda fase do INCT, o foco está em aplicar a ciência desenvolvida até o momento em favor da sociedade. Para isso, a equipe continua produzindo ciência de excelência, mas ampliando iniciativas voltadas para a aplicação tecnológica dos resultados. Com esse objetivo, os pesquisadores estão concentrando esforços no desenvolvimento de linhagens mais resistentes não apenas a diversos micro-organismos, mas também à seca, um fator cada vez mais crítico com relação às mudanças climáticas. Outra frente promissora envolve o uso da ciência básica desenvolvida em outros laboratórios no mundo inteiro para criar pesticidas e germinicidas sintéticos, com menor impacto ambiental e toxicológico. A proposta é utilizar peptídeos sintéticos como biopesticidas inibidores de insetos e RNA como princípio ativo em germicidas para combater fungos, bactérias e vírus.
Por meio de modelagem e docking molecular para inibidores de protease de insetos, a pesquisadora Maria Goreti de Almeida Oliveira, membro do INCT-IPP, vinculada ao Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular/UFV e coordenadora do laboratório de Enzimologia, e sua equipe modelaram peptídeos sintéticos, sendo um deles GORE3, altamente eficiente como biopesticida no combate da lagarta de soja, um desafio atual para os produtores de soja no Brasil e em Minas Gerais.
Francisco José Lima Aragão, membro do INCT Interação Planta Praga e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, onde é responsável pelo Laboratório de Engenharia Genética Aplicada à Agricultura Tropical, conta como o INCT foi importante para a produção do feijão transgênico. O pesquisador é pioneiro na geração das primeiras plantas transgênicas no Brasil, expressando genes de características agronômicas. Ele conta que os estudos que envolvem o feijão transgênico começaram ainda nos anos 1990. No INCT, trabalhou inicialmente para desenvolver estratégias para geminivírus – que são um problema para a agricultura mundial, após a disseminação da mosca-branca Bemisia tabaci. “Nós procuramos desenvolver essas ferramentas, entender, estudar variabilidade. Isso foi importante para o desenvolvimento de plantas resistentes a geminivírus, usando RNA interferente, o que nos permitiu desenvolver um feijão transgênico resistente ao Bean Golden Mosaic Virus (BGMV). Hoje a mesma técnica está sendo trabalhada para o tomateiro”, detalha.
O BGMV é uma ameaça recorrente em diversas regiões das Américas onde o feijão é cultivado. Francisco Aragão explica que, no Brasil, em que o feijão é alimento básico na mesa da população, os impactos chegaram a ser tão graves que, em algumas regiões, não se recomendava plantar feijão porque as perdas variavam de 40% a 100% da lavoura. Com o seguimento da pesquisa ao longo dos anos 2000, conseguiu-se fazer os ensaios de biossegurança entre 2008 e 2009. A partir desses resultados, a equipe trabalhou para gerar variedades e, em 2018, a tecnologia foi transferida para os produtores de sementes, permitindo o início da comercialização de cultivares resistentes ao BGMV no Brasil.
O pesquisador explica que a diversidade de geminivírus de feijão é relativamente baixa e isso tem suas vantagens. Como a estratégia é baseada em sequências genéticas, quanto maior a diversidade, mais difícil é aplicar esta estratégia desenvolvida com sucesso. Por isso é fundamental conhecer a diversidade viral, caso contrário, torna-se inviável desenvolver ferramentas eficazes de combate. A partir disso, a equipe aplicou a mesma abordagem ao cultivo de tomate que apresenta um cenário bem diferente. Ao contrário do feijão, o tomate é alvo de uma grande variedade de geminivírus, o que torna o controle muito mais complexo. “No INCT buscamos estratégias mais amplas, capazes de interferir no mecanismo de ação de vários vírus simultaneamente, de preferência. A estratégia que desenvolvemos é baseada em interação RNA-DNA, visando obter resistência a múltiplas espécies virais ao mesmo tempo. Usamos várias sequências para beneficiar um grupo maior de culturas alimentares”, explica.
A rapidez com que o genoma dos geminivírus evolui representa uma vantagem significativa para o vírus, permitindo-lhe escapar tanto dos mecanismos naturais de defesa das plantas quanto das estratégias de resistência transgênica desenvolvidas em laboratório. Durante a primeira fase do INCT-IPP, equipes lideradas pelo pesquisador da UFV Murilo Zerbini, e pelas pesquisadoras da Embrapa Alice Nagata e Simone Ribeiro, mapearam novas e mais agressivas espécies de geminivírus em tomateiros cultivados no Brasil. O trabalho resultou em diretrizes para políticas públicas voltadas ao manejo e plantio da cultura, beneficiando diretamente os agricultores. Nesta segunda fase do projeto, os estudos se expandiram. Agora, o foco está nos fatores evolutivos que permitem aos geminivírus transitar entre ervas daninhas e plantas cultivadas, um desafio importante para a segurança alimentar e a agricultura brasileira.
Estrutura da Sede do INCT-IPP
O INCT em Interações Planta-Praga usa a estrutura do Bioagro, que tem 27 laboratórios de pesquisa bem equipados para a realização de pesquisas em diferentes áreas do conhecimento em ciências biológicas e biotecnologia, onde trabalham 24 professores e mais de 500 estudantes de graduação e pós-graduação.
Dos laboratórios que compõem a estrutura, seis integram o INCT-IPP, contando ainda com uma área de laboratórios expandida de 1200m2. O INCT-IPP também conta com facilidades como três casas de vegetação, uma unidade de crescimento de plantas, dois laboratórios associados ao Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular, além de um laboratório associado ao Departamento de Biologia Animal. Na UFV, existem ainda dois núcleos multiusuários com equipamentos de grande porte que darão suporte ao projeto: o Núcleo de Microscopia e o Núcleo de Análises de Biomoléculas, que contém todo aparato para experimentos de proteômica.