Pela primeira vez um estudo comprovou experimentalmente a existência de uma extensa rede oculta de interações entre espécies. A pesquisa foi desenvolvida no âmbito do sítio de
Pesquisas de Longa Duração nos Campos Rupestres da Serra do Cipó (PELD-CRSC) observando uma comunidade de artrópodes (insetos herbívoros, predadores e parasitas) e sua planta hospedeira (Baccharis dracunculifolia) – o alecrim-do-campo, na Serra do Cipó. Os estudos foram desenvolvidos pelo pesquisador Milton Barbosa da Silva Júnior durante seu doutorado na Universidade de Oxford.
Os resultados foram divulgados em um artigo publicado no início deste ano na revista internacional Current Biology com a autoria do pesquisador, sua orientadora Rebecca Morris e o coordenador do
Laboratório de Ecologia Evolutiva da UFMG e do sítio Peld-CRSC, o professor Geraldo Wilson Fernandes. “Entender um sistema com qualidade em ecologia muitas vezes precisa de experimentos claros e este foi um deles. Por isso, essa enorme repercussão mundial do artigo”, conta Fernandes.
Uma formiga sobre o alecrim-do-campo Foto: Geraldo Fernandes/Peld-CRSC
IMPLICAÇÕES
A modificação nas interações entre um par de espécies por uma terceira espécie é muito pouco entendida. Fernandes conta que costumamos simplificar as relações presentes na natureza. Um predador e sua presa, um parasito e seu hospedeiro, duas espécies que competem entre si, mas, na verdade, existe ali uma rede de interações invisíveis. “Oscilações nas populações das espécies interagentes podem causar um distúrbio enorme [...] assim como acontece com as zoonoses. Às vezes temos um sistema supercontrolado e de forma dinâmica lá no meio de uma floresta, mas, à medida que destruímos e fragmentamos as nossas savanas, campos e florestas, você pode causar um efeito não esperado como o surgimento de novas pragas que podem transmitir novas doenças”, explica Fernandes.
O pesquisador explica que milhares de espécies estão em extinção devido a alterações drásticas promovidas pela ação humana. As interações são muito importantes para compreender como um ecossistema é formado e como ele evoluí. É, especialmente, fundamental para promover a restauração de um ambiente degradado, preservar a presença de polinizadores e a qualidade da água.
PIONEIRISMO
Fernandes explica que o alecrim-do-campo é uma espécie alvo das pesquisas do grupo há décadas. A sua relação com os insetos que interagem com ela como polinizadores, ou aqueles que se alimentam das suas folhas e induzem tumores nos seus brotos já era muito conhecida pelos pesquisadores. A pesquisa nasce da observação de que algumas dessas espécies eram mais abundantes que outras, algo comum em muitos sistemas. “O que fizemos foi, seletivamente, remover uma espécie e observar como surgiriam novos insetos nessa planta [...] nós também adicionamos tumores causados por insetos em alecrim-do-campo de outros ambientes e observamos essa dinâmica”. Isso mostrou claramente como a rede de interações tróficas muda dramaticamente diante da supressão de uma espécie ou a adição de outras.
Segundo Fernandes, o desaparecimento de uma pequena espécie pode, inclusive, ter efeitos irreversíveis. “Eu tenho certeza de que este artigo é um bom modelo para demonstrar a fragilidade dos nossos ecossistemas, principalmente, nas regiões tropicais onde nós temos milhares de espécies raras”, explica. Estudos a longo prazo como este são importantes para a viabilidade das grandes descobertas. “Nós colocamos um tijolo nessa grande parede que é o conhecimento. É muito importante que estudos experimentais continuem sendo feitos para compreender a relação de causa e efeito na ecologia”, declara Fernandes.
PELD- CRSC
O sítio de Pesquisas de Longa Duração nos Campos Rupestres da Serra do Cipó – CRSC (Sítio 17) foi criado em 2010 e tem desenvolvido estudos que buscam compreender o efeito das principais mudanças globais sobre a biodiversidade, sua ecologia e evolução. O conhecimento gerado fundamenta políticas que promovem a conservação das espécies, ecossistemas e serviços ambientais em altos de montanhas tropicais. A iniciativa tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).